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Nos nossos últimos cinco artigos, em pelo menos quatro deles falamos sobre a forma revolucionária com a qual o nosso Direito vem sendo tratado, no sentido de rescindir com o passado, com toda a tradição jurídica e pela imposição de um novo modelo substitutivo.

Isso, sim, é o verdadeiro “desrespeito às instituições”, hoje tão falado de forma vazia. É a subversão da ordem estabelecida, conhecida e que funciona, em prol do incerto.

É o estabelecimento da insegurança jurídica como regra no Brasil, lugar onde tudo pode mudar de qualquer jeito, do dia para a noite, sem prévio aviso. E, pior ainda, essa insegurança pode vir de qualquer lugar.

Pode partir de medidas malucas do Executivo, como as do governo Dilma, alterando a tributação de vários setores pela chamada “desoneração da folha de pagamento”. Quando as empresas começaram a se adaptar a essa nova realidade, a desoneração foi extinta, ao menos parcialmente.

Vale destacar também o caso da sobretaxação de veículos importados da Ásia, surgida também do dia para a noite em 2011. Você tem visto carros chineses nas ruas nos últimos 3 ou 4 anos, como antes via? Por que será?

Mas, não é do Executivo e nem do Legislativo que emergem os mais recentes episódios de insegurança jurídica. O STF passou de poder julgador para poder julgador, administrador e legislador.

Pior ainda, já se deixou claro que o julgamento é de pessoas, e não de casos. É aquele caso do “alguns são mais iguais que outros”, de Orwell.

O STF se tornou um tribunal meramente político e que cada vez mais se torna pouco confiável para os brasileiros.

O último evento de rescisão de instituições aconteceu cerca de um mês atrás: a 1ª turma do tribunal julgou impenhorável bem de família do fiador de locação comercial.

Explicando um pouco melhor ao leitor, a Lei nº 8.009/90 dispõe sobre a proteção ao chamado “bem de família”, que é, simplificadamente, o imóvel próprio e único da pessoa, com o intuito de evitar que dívidas transformem o devedor em um desabrigado.

A própria lei prevê algumas exceções a essa regra, dentre elas, a possibilidade de se penhorar imóvel único do fiador em contrato de locação.

Essa regra, vigente desde 1991, portanto, há 27 anos, acaba de ser mitigada – possivelmente anulada – pela decisão da 1ª turma.

Segundo a mencionada decisão, capitaneada pelo voto divergente de Rosa Weber, o bem de família não pode ser penhorado na locação comercial, pois, dentre outros argumentos, a livre iniciativa não pode se sobrepor ao direito fundamental de moradia.

É, de fato, uma explicação muito bonita. Voltemos, porém, à realidade.

Essa decisão trará maior dificuldade de se realizar contratos de locação. Em tempos de crise, imóveis desocupados são uma despesa e estimulam locadores a oferecerem imóveis a preços mais baixos. Mas, evidentemente, isso só valerá a pena caso o locatário arque com o aluguel e demais obrigações. Caso contrário, o prejuízo será ainda maior.

A forma de alcançar segurança no recebimento é através das garantias locatícias, sendo a fiança a mais comum delas, por ser robusta para o locador e não trazer custos para o locatário.

Se para aluguel comercial essa decisão se pacificar e não mais se puder aceitar fiador com apenas um imóvel – o que correspondia a 80% das fianças, ao tempo da publicação da atual lei de locações, – os locadores vão parar de alugar, em razão de insegurança jurídica e, pior ainda, potenciais empreendedores não vão encontrar imóvel para desenvolver suas atividades.

No final das contas, o bom pagador será prejudicado na luta pela vida melhor em razão dos maus pagadores. E tudo isso em razão de o STF buscar subverter a ordem institucional que orienta o Direito, pois, deixasse como estava, de forma legal e lícita, problema algum haveria.

O bom continuaria podendo viver tranquilamente sua vida e o mau talvez até se tornasse bom, pelo medo de perder o imóvel que garantia a locação. Mas, agora, o mau está sendo estimulado a se tornar ainda pior.

Na verdade, o nosso Direito já está viciado desde a concepção do nosso direito positivo.

Quem lê o Código de Processo Civil, por exemplo, em razão das inúmeras garantias do devedor, tem a sensação de que o credor está sempre em boa situação financeira e que o que ele pretende receber no processo é algo a mais que não lhe fará grande diferença ou, no mínimo, que aquilo não é realmente importante para a sua subsistência.

O tratamento dado ao devedor, no entanto, é bem diverso. A leitura sugere que o devedor é sempre uma pessoa em tremendas dificuldades financeiras, pobre e que está sendo acionada por uma pessoa em posição superior e vantajosa. O dinheiro não faria tanta falta ao credor, mas faz muita ao devedor: esse é o sentimento que se tem da leitura da lei.

A realidade não poderia ser mais contrária. Quantas pessoas não dependem exclusivamente da renda de alugueis para sobreviver? Quantas não fizeram um planejamento de vida e aposentadoria baseando-se nisso?

E, se não recebem os aluguéis, precisam mover um longo e caro processo judicial para reaver o que lhe é devido. Ao final de tudo isso, ao longo de anos, até, pode se deparar com uma decisão surpreendente do tribunal, dizendo que ele não tem direito ao que busca e que aquela garantia estipulada em lei não vale de nada. “Procure outro bem do devedor”.

A regra do Direito Civil de autonomia dos contratos passou a ser suplantada pela tal “função social do contrato”, especialmente a partir de 2002. De lá para cá, a coisa piorou muito e hoje quase não há liberdade contratual. Pactos não valem, assinaturas e compromissos não são mais assim tão importantes.

Isso diz muito, na verdade, sobre nós mesmos e nosso povo. Recentemente, em diálogo com um padre nascido no interior do Pará, ele disse: lá tínhamos o costume da palavra, tudo era “no fio do bigode”. Aqui, a pessoa assina, reconhece firma e quando confrontada, simplesmente diz: “não me lembro de ter assinado isso, não”.

O paizão STF cada vez mais vai suprimindo a responsabilidade das pessoas, como se elas não tivessem condições de compreender seus próprios atos, merecendo alguma proteção especial, em detrimento de outra pessoa, que não merece proteção alguma, nem mesmo aquela combinada em contrato.

Parece que, para o STF, as palavras de algumas pessoas não devem ser levadas tão a sério, assim. Finalmente, ao STF parece que as pessoas não poderiam ter toda essa liberdade para contratar, pois, aparentemente, não sabem o que fazem.

Pior para quem tem palavra e acredita nos contratos.

O STF, se pacificar essa decisão, poderá ter destruído o sistema de locações e o mercado imobiliário brasileiro, por desonrar os contratos e por beneficiar a torpeza, como já se tornou costume. Mas, honestamente, poderia se esperar coisa diferente?

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Autor: Bruno Barchi Muniz
Fonte: Jus Brasil