RESUMO: com a crise econômica muitos consumidores pararam de consumir, o que levou as empresas à beira da falência. Para impulsionar o consumo, os fabricantes começaram a produzir bens de modo a torná-los obsoletos pouco tempo após a venda. É a denominada obsolescência programada, que teve início no começo do século XX. Todavia, essa prática encontra obstáculos na boa fé objetiva e não é sustentável a longo prazo. Apesar dessa barreira, a obsolescência programada continua até os dias atuais. Tem-se, então, um conflito entre o crescimento econômico e a preservação dos recursos naturais.
Palavras-chave: Código de defesa do Consumidor. Obsolescência programada. Boa-fé objetiva. Relações de consumo. Consumo sustentável.
1 INTRODUÇÃO
O Código Civil de 2002 classifica os bens em consumíveis e inconsumíveis. Os primeiros são aqueles cujo uso importa na destruição imediata da substância da coisa, bem como os destinados à alienação. Já os bens inconsumíveis são aqueles que podem ser utilizados continuamente sem que pereçam, ressalvado seu desgaste progressivo e natural.
Importante mencionar que os bens consumíveis assim são classificados por sua natureza (ex: alimentos) ou por força de lei (ex: um celular à venda). Entretanto, um bem consumível por força de lei transforma-se em inconsumível logo após sua alienação.
No presente estudo serão explorados os bens inconsumíveis, que apesar de assim serem classificados, podem eventualmente se deteriorar ou tornar-se impróprio pra o uso.
Isto porque, quando compramos uma televisão, uma lâmpada, um computador ou qualquer outro bem durável, esperamos utilizá-los regularmente até que algum defeito ou a necessidade de um produto semelhante mas melhor nos faça trocá-los. E isso é absolutamente normal, uma vez que nada dura eternamente.
Todavia, não é legal nem muito menos moralmente correto que os fabricantes estipulem “prazos de validade” para seus produtos que deveriam durar indeterminadamente.
Aludida prática comercial, denominada obsolescência programada, consiste em determinar o tempo de vida útil que cada bem de consumo terá. Assim, os fabricantes estipulam que uma lâmpada deve durar 1000 horas, uma geladeira não deve funcionar por mais de 20 anos, televisores podem proporcionar entretenimento por no máximo 10 anos, e assim por diante. Isso sem falar nos constantes lançamentos que tornam os produtos obsoletos pouco tempo depois de irem às lojas.
Paralelo a tudo isso analisaremos a questão da boa-fé objetiva nas relações de consumo, e qual a relação dela com a obsolescência programada, bem como os argumentos favoráveis e contrários à esta prática cada vez mais comum no atual mundo capitalista.
Seria possível a obsolescência programada não ferir as normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor? Será que essa alta rotatividade de bens de consumo imposta pelos fabricantes respeita a boa-fé objetiva que se espera nas relações consumeristas?
Neste contexto serão analisadas estas e outras questões polêmicas que envolvem este conflito de interesses do mundo moderno.
2 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Apesar de não ser o tema central do presente estudo, faz-se necessário, antes de adentrarmos ao debate da boa-fé objetiva nas relações de consumo e da obsolescência programada, tecer algumas considerações sobre contrato, consumidor e fornecedor.
Evidentemente mencionados institutos não serão estudados de forma aprofundada, a abordagem deles se dará essencialmente para que aqueles ainda não familiarizados com seus conceitos e aspectos gerais possam compreender melhor a discussão que vem a seguir.
2.1 Contrato
Pode-se dizer que o contrato é tão antigo quanto o próprio ser humano, nascendo a partir do momento em que estes passaram a se relacionar e adquirindo maior importância quando os homens começaram a viver em sociedade.
Apesar de parecer simples, a conceituação do contrato na contemporaneidade não é das tarefas mais fáceis, muito em razão da mitigação da autonomia da vontade, principalmente nos contratos consumeristas.
O Código Civil de 2002 não apresenta o conceito de contrato. Entretanto, ele define todas as figuras contratuais, deixando a incumbência de conceituá-lo para os Juristas.
Classicamente o contrato é conceituado como acordo de vontade entre duas ou mais pessoas com a finalidade de adquirir, resguardar, modificar ou extinguir direito.
A doutrina nacional trata de preencher a lacuna deixada pelo diploma civil.
Sílvio Rodrigues conceitua o contrato como “o acordo de duas ou mais vontades, em vista de produzir efeitos jurídicos”.[1] Para Caio Mário da Silva Pereira, “contrato é um acordo de vontades, na conformidade da lei, e com a finalidade de adquirir, resguardar, transferir, conservar, modificar ou extinguir direitos”.[2]
De acordo com Álvaro Villaça Azevedo, o contrato é uma “manifestação de duas ou mais vontades, objetivando criar, regulamentar, alterar ou extinguir uma relação jurídica (direitos e obrigações) de caráter patrimonial”.[3] Por sua vez, Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, define contrato como “o ajuste ou acordo, quer dizer, é a manifestação casada de duas ou mais vontades, tendo em vista a produção de efeitos jurídicos”.[4]
Sem questionar o brilhantismo das conceituações retromencionadas, os civilistas da atualidade têm conceituado o contrato de uma nova maneira, levando-se em conta valores existenciais relativos à proteção do homem.
Dentre aqueles que buscam construir um conceito pós-moderno do contrato, Paulo Nalin, segundo o qual o contrato seria “a relação jurídica subjetiva, nucleada na solidariedade constitucional, destinada à produção de efeitos jurídicos existenciais e patrimoniais, não só entre os titulares subjetivos da relação, como também perante terceiros”.[5]
No atual estágio da sociedade consumerista, o conceito apresentado por Nalin se mostra acertado, em especial se for considerado que muitos dos bens comprados pelos consumidores não é fruto de sua pura liberalidade, mas sim para atender necessidades básicas que o capitalismo impõe.
Ao firmar um contrato – que em muitos casos é o de compra e venda – com o fornecedor, o consumidor espera que aquele observe a função social do acordo e aja de acordo com a boa-fé objetiva, inclusive na fase pós-contratual.
2.2 Consumidor
Ao contrário do Código Civil que não conceitua o que é contrato, o diploma consumerista, em seu artigo 2º, caput, especifica que “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.
Com efeito, o conceito adotado pelo Código de Defesa do Consumidor foi puramente de caráter econômico, ou seja, considerando consumidor aquele que adquire bens ou contrata a prestação de serviços como destinatário final, excluindo de seu alcance o contratante que adquire bens ou contrata a prestação de serviços para o desenvolvimento de uma atividade negocial.
Apesar da conceituação legal do Codex, a doutrina pátria também apresenta seus conceitos de consumidor. Para José Geral Brito Filomeno, consumidor é “qualquer pessoa física ou jurídica que, isolada ou coletivamente, contrate para consumo final, em benefício próprio ou de outrem, a aquisição ou locação de bens, bem como a prestação de um serviço”.[6]
Exemplificando, uma empresa do ramo de materiais para construção será consumidora se comprar alimentos para seus funcionários. Entretanto, se a mesma empresa adquirir madeira para fabricação de portas, não será considerada consumidora.
Há casos em que adquirindo o mesmo produto a empresa pode ou não ser consumidora, dependendo da destinação que dê à ele. Por exemplo, uma loja do ramo de vestuário não será consumidora se comprar blusas de lã para revendê-las. Mas mencionada empresa será consumidora se estas mesmas blusas forem destinadas ao uso dos seus funcionários.
O conceito de consumidor pode ser mais amplo ou restrito, dependendo da teoria que se adote.
Segundo a teoria finalista, destinatário final é aquele que aplica uma destinação fática e econômica ao produto, ou seja, o consumidor que retira o produto do mercado e não o coloca em outra relação de negócio, e, por conseguinte, não pode mais ter qualquer tipo de lucro com aquele produto.
Já a teoria maximalista, não se importa com a questão econômica, mas apenas a fática. Basta que o consumidor retire o produto do mercado para que ele seja considerado como tal, desde que fique demonstrada sua vulnerabilidade econômica, técnica ou jurídica.
Existem também aqueles que discutem se a pessoa jurídica que adquire bens ou contrata serviços como destinatário final seria um consumidor propriamente dito ou apenas equiparado à estes.
Por fim, importante mencionar que o Superior Tribunal de Justiça, aplicando a teoria maximalista, já reconheceu a amplitude do conceito de consumidor em alguns casos para considerar como consumidores aqueles que adquiram bens para o desenvolvimento de outra atividade econômica, desde que demonstrada a vulnerabilidade técnica, econômica ou jurídica.[7]
2.3 Fornecedor
Assim como fez com o consumidor, o código consumerista também apresentou o conceito de fornecedor, in verbis:
Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
Como se observa, o código adotou um conceito bem amplo, abrangendo todo aquele que desenvolve atividade mercantil ou civil e de forma habitual, ofertando produtos ou serviços no mercado.
Nesta seara, os autores do anteprojeto[8] do diploma consumerista fazem as seguintes observações:
Neste sentido, por conseguinte, é que são considerados (fornecedores) todos quantos propiciem a oferta de produtos e serviços no mercado de consumo, de maneira a atender às necessidades dos consumidores, sendo despiciendo indagar-se a que título, sendo relevante, isto sim, a distinção que se deve fazer entre as várias espécies de fornecedor nos casos de responsabilização por danos causados aos consumidores, ou então para que os próprios fornecedores atuem na via regressiva e em cadeia da mesma responsabilização, visto que vital a solidariedade para obtenção efetiva de proteção que se visa a oferecer aos mesmos consumidores.
Finalmente, cumpre salientar que fornecedor é gênero, sendo o fabricante, o produtor e o comerciante, dentre outros, suas espécies. Como quis conferir uma maior proteção ao consumidor, o legislador utilizou sabiamente a expressão genérica.
3 BOA-FÉ OBJETIVA
A boa-fé objetiva pode ser considerada um princípio geral que institui uma linha de comportamento a ser seguida pelos contratantes, que devem agir conforme certos parâmetros de lealdade e honestidade.
É importante mencionar que a boa-fé objetiva não se confunde com a subjetiva, pois esta se caracteriza pela ignorância de agir em desconformidade com as normas jurídicas. É uma falsa crença acerca de uma situação em que o sujeito desconhece uma situação modificativa ou proibitiva de se direito.
Tentando mitigar a máxima de que “tudo que não é proibido é permitido”, a boa-fé objetiva tem como escopo traçar uma regra geral de conduta para que as partes do negócio jurídico se comportem dentro de parâmetros justos, evitando a busca desenfreada pela vantagem.
Sobre este tema, Rodney Malveira da Silva[9] nos brinda com uma interessante síntese:
O princípio da boa-fé objetiva, porque o agir bem é da natureza humana, está desde sempre frequentando as relações contratuais, na medida em que o sentido ético e moral sempre direcionaram tais relações, acentuando-se ou esmaecendo-se, mas estando sempre presente, mesmo que despercebido, ou bastante combalido, como nos dias atuais, frente a um capitalismo cada vez mais dominante, onde o lucro é a razão de ser de tudo o que se faz ou pensa na seara contratual. Difícil se desvencilhar dessa realidade, já que todo negócio, por mais simples que seja, visa ao lucro e lucro é vantagem e esta, se desmedida, transforma-se em ganância e esta se transforma em uma espécie de vale-tudo ao modo da velha lei de Gerson (…)
A mencionada lei de Gerson tem origem em uma propaganda veiculada na década de 70, onde o jogador da seleção canarinho dizia: “É que eu gosto de levar vantagem em tudo”. Aludida assertiva ilustra, infelizmente, o comportamento da nossa sociedade.
Sendo o Brasil sede das últimas edições da Copa das Confederações e Copa do Mundo, ambos eventos organizados pela FIFA, não poderíamos ter um exemplo mais lamentável da lei de Gerson do que o comportamento de alguns voluntários cadastrados para ajudar na organização do evento. Segundo notícia veiculada[10], alguns desses voluntários foram no primeiro dia de treinamento apenas para retirar um kit avaliado em R$ 1.000,00 (mil reais) e depois sumiram.
Note-se que por serem voluntários, eles não teriam nenhuma obrigação jurídica de permanecer ajudando. Todavia, a partir do momento em que se dispuseram a auxiliar na organização do evento e desaparecem repentinamente, eles não agem de acordo com a boa-fé objetiva.
A boa-fé objetiva deve ser observada não apenas enquanto vige um contrato entre as partes, mas também nas fases pré e pós contratual. É pois uma conduta imposta à elas que independe de lei ou contrato.
Nesta seara, a boa-fé objetiva é de suma importância para impor freios aos comportamentos desleais empregados por aqueles que visam o lucro acima de tudo e de todos.
3.1 Boa-fé Objetiva no Código de Defesa do Consumidor
Em um país extremamente legalista como o Brasil, muito embora a boa-fé objetiva já fosse conhecida pelos doutrinadores e membros do Poder Judiciário, ela passou a ter maior destaque após o Código de Defesa do Consumidor de 1990 prevê-la expressamente.
Sob o ponto de vista do direito consumerista, tem-se a boa-fé objetiva como uma conduta ideal e adequada para cada relação de consumo, um dever de agir de acordo com padrões éticos e moralmente recomendados, com lealdade e honestidade, para o fim de não frustrar a confiança depositada pela outra parte.
O legislador objetivou proteger o consumidor de práticas dos fornecedores que, embora legais, eram extremamente desleais e abusivas. A observância dos princípios passou a ter uma relevância muito maior em nosso ordenamento jurídico.
Muito se falou até agora em conduta leal e adequada. Mas quais seriam essas condutas? Qual comportamento pode ser considerado ofensivo ou desleal?
Na verdade, apesar da denominação, a análise do comportamento de acordo com a boa-fé objetiva ou não inexiste na Lei, devendo ser realizada dentro do caso concreto.
Neste diapasão é que surge a discussão da inobservância da boa-fé objetiva nos casos de obsolescência programada, onde se questiona a moralidade e a eticidade dessa prática dos fornecedores na sociedade de consumo. Como em todo debate há os defensores e os que condenam esta “técnica” utilizada para gerar mais lucro para as empresas.
4 OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA
O diploma consumerista confere ampla proteção ao consumidor contra as práticas abusivas engendradas pelos fornecedores, apresentando em seu artigo 39 um rol exemplificativo de métodos defesos à estes.
No mundo atual, o consumidor e a sociedade em geral não mais toleram práticas que antes eram comuns, tais como a venda casada, a entrega de bem ou fornecimento de serviço sem solicitação, propagandas enganosas, dentre outras. Entretanto, uma prática cada vez mais comum das empresas parece passar desapercebida aos olhos dos consumidores: a obsolescência programada.
Em linhas gerais, a obsolescência programada consiste em, propositalmente, reduzir a vida útil de um produto ou torná-lo obsoleto dentro de um curto período de tempo para forçar o consumidor a substituí-lo por outro novo, ou, em outras palavras, é estipulado um “prazo de validade” para os bens duráveis.
Essa prática não é recente, tendo sido iniciada no início do século XX, nos Estados Unidos da América, quando os fabricantes de lâmpadas incandescentes perceberam uma queda vertiginosa nos índices de venda. O motivo era simples e bastante lógico: os consumidores compravam apenas a quantidade de lâmpadas necessárias e não as trocavam nunca, exceto quando estas deixavam de funcionar.
Quando Thomas Edison conseguiu criar com sucesso a lâmpada incandescente, muitos haviam tentado e alguns até conseguido realizar tal façanha. Todavia, o crédito de inventor da lâmpada incandescente ficou com Edison porque o seu invento foi o que apresentou o melhor material incandescente e uma durabilidade suficiente o bastante para torná-la comercializável.
Na época, o maior desafio de Edison era encontrar um material para o filamento que não queimasse ou se fundisse rapidamente. Com o passar dos anos e o avanço da tecnologia, a qualidade e a durabilidade das lâmpadas incandescentes foram crescendo, até que em meados da década de 1920 elas duravam por volta de 2.500 horas.
Naquele momento, as fábricas e seus engenheiros se esforçavam para criar lâmpadas cada vez mais duradouras, até que alguns anos depois, em meio à crise da Bolsa de Nova York, e ante a queda nas vendas, os fabricantes formaram um cartel e decidiram que as lâmpadas incandescentes não poderiam durar mais do que 1.000 horas.
O documentário The Light Bulb Conspiracy (A Conspiração da lâmpada), dirigido por Cosima Dannoritzer e produzido pela RTVE da Espanha, aborda como as empresas encontraram na obsolescência programada um meio de crescer economicamente produzindo produtos de baixa qualidade.
Dois dos casos mais emblemáticos apresentados no documentário são o das impressoras da marca Epson e da primeira geração de iPod lançado pela Apple, pois exemplificam perfeitamente como funciona essa prática no mínimo desleal das empresas.
No primeiro caso um rapaz tem problemas com sua impressora, que deixa de funcionar. Ao levar o aparelho na assistência técnica, os técnicos lhe informam que não vale a pena consertar o aparelho, pois ficaria muito caro, e o aconselham a comprar um novo. Indignado, o jovem procura na internet soluções para arrumar sua impressora. Ele descobre que a fabricante inseria um chip, denominado EEPRON, nas impressoras para estipular a vida útil do produto. Ao se atingir um determinado número de páginas impressas, o aparelho trava.
O segundo exemplo conta a história da primeira geração de iPod lançado pela Apple, que tinha uma bateria que não podia ser trocada e parava de funcionar em poucos meses. Quando os consumidores começaram a procurar a Apple, ela se posicionou dizendo que não realizava serviço de troca de baterias e aconselhou seus clientes a comprarem um aparelho novo.
Os casos citados até aqui se enquadram perfeitamente no conceito de obsolescência programada, mas não são os únicos. Em todos os exemplos apresentados acima, os produtos se tornam obsoletos porque deixam de funcionar.
Todavia, há ainda aqueles casos em que o produto ainda funciona, mas se torna obsoleto porque outros mais modernos são lançados. Dentro desta segunda categoria talvez os que mais se destacam pela sua descartabilidade são os smartphones, ou, em bom português, os celulares inteligentes.
Quem compra um smartphone certamente não espera – ou pelo menos não deveria esperar – ter de trocá-lo em um prazo inferior a um ano. E de fato esses minicomputadores em forma de celular não param de funcionar no primeiro ano. Na verdade eles duram muito mais que isso.
Apesar desses aparelhos funcionarem por muito tempo, eles se tornam obsoletos rapidamente em razão dos lançamentos de mais novos, que muitas vezes não apresentam nenhum avanço tecnológico significativo.
Os defensores da obsolescência programada argumentam que sem ela a economia ficaria estagnada e impediria o progresso porque os consumidores deixariam de comprar. Entretanto, conforme será explorado mais a seguir, é possível ter um crescimento econômico de maneira sustentável e que não obrigue o consumidor a comprar apenas para fomentar a economia.
Nesta seara, observa-se que a obsolescência programada foi criada para socorrer as empresas em época de crise e, devido ao seu sucesso do ponto de vista econômico e financeiro, foi mantida até os dias atuais.
4.1 Obsolescência Programada e a Boa-fé Objetiva
Ante o exposto, não é difícil chegar à conclusão que essa prática obscura das empresas viola o comportamento ético e leal que se espera delas na relação de consumo.
Por óbvio, ninguém espera comprar um computador e utilizá-lo eternamente. Mas, de igual modo, nenhuma pessoa compra um computador para ter que substituí-lo a cada 6 meses porque foi lançado um processador que efetua operações um milionésimo de segundo mais rápido.
Outrossim, todos sabem que o computador, apesar de ser um bem durável, deixará de funcionar em razão do desgaste natural. O que ninguém espera é que ele saia da fábrica programado para quebrar.
Conforme explica Antonio Carlos Paz “Em todo tipo de produto existe uma previsão de durabilidade, e ocorrendo a antecipação da obsolescência, gera frustração ao consumidor que não mais poderá utilizar-se do mesmo”.[11]
Neste campo, os consumidores ficam adstritos à observância da boa-fé objetiva dos fornecedores, pois nenhum destes firmará contrato garantindo que seu produto funcionará durante 20 anos e que durante esse período não serão lançados novos aparelhos que tornem obsoleto o produto adquirido. E esse é um dos motivos pelos quais o consumidor merece uma proteção maior do legislador, pois ser obrigado a confiar no comportamento leal e honesto do fornecedor é o mesmo que exigir que este realize uma venda a prazo sem exigir nada daquele, confiando apenas que o consumidor voltaria todos os meses para pagar as prestações.
4.2 Obsolescência Programada e o Consumo Sustentável
A Resolução nº 153/1995 das Organizações das Nações Unidas levanta a questão do consumo sustentável.
Essa preocupação se deve principalmente por conta dos recursos naturais de nosso Planeta, que não são infinitos, ao contrário do anseio do homem pela exploração desses insumos.
Atualmente vivemos em uma economia de crescimento, onde crescemos não para satisfazer nossas necessidades, mas apenas para que a economia se aqueça e continue a crescer ilimitadamente.
Com efeito, o problema da obsolescência programada vai muito além da quebra da inobservância da boa-fé objetiva, tendo reflexos no acúmulo de lixo eletrônico em países subdesenvolvidos e a extração predatória dos recursos naturais.
Os defensores do consumo sustentável buscam implantar um novo tipo de consumo, de modo que a sociedade consuma apenas aquilo que é necessário, mantendo o crescimento econômico – ainda que de forma mais lenta – e garantindo que os recursos naturais se esgotem por completo, acabando com a obsolescência programada da forma mais drástica possível.
4.3 Obsolescência Programada e Obsolescência Real
Importante ressaltar que as críticas feitas à obsolescência programada neste trabalho não tem o intuito de frear a evolução tecnológica ou o crescimento econômico global. É que não se pode defender um comportamento das empresas que, conforme exposto em tópico anterior, não respeita a boa-fé objetiva.
Apesar disso, certamente ninguém ficaria feliz se lhe fosse proposto abandonar seu smartphone e voltar ao antigo celular que só fazia chamadas e enviava mensagens; ou trocar seu televisor com imagem em alta definição por um da época do tricampeonato da seleção brasileira.
É nesse contexto que se faz mister fazer uma diferenciação entre obsolescência programada e obsolescência real.
A obsolescência real torna os produtos defasados em razão da evolução ou descoberta de novas tecnologias que efetivamente melhor um aparelho ou cria algo que antes não existia. O consumidor é impulsionado a comprar não porque o seu aparelho não funciona mais ou porque foi lançado um modelo com alterações irrisórias em relação àquele que ele já tem.
Em meados da década de 1990 ocorreu um exemplo claro de obsolescência real, quando os aparelhos de DVD substituíram os antigos videocassetes. Note-se que apesar dos dois aparelhos fazerem basicamente a mesma coisa, o primeiro tornou o segundo uma tecnologia morta.
Outro exemplo que se iniciou no começo deste milênio é o da troca dos antigos televisores CRT pelas modernas telas de Plasma, LCD ou LED. Não há dúvida de que trata-se de uma grande evolução de tecnologia, e que naturalmente deixou os antigos televisores obsoletos.
Como os exemplos mencionados acima, a evolução dos celulares para os smartphones também pode ser classificada como obsolescência real. Se antes os celulares serviam quase que exclusivamente para fazer e receber camadas, hoje eles fazem isso e acessam a internet, executam jogos, tocam música, reproduzem vídeos, tiram fotos, e mais uma porção de funcionalidades.
Entretanto, quando não há como tornar os produtos realmente obsoletos, as empresas apelam novamente para a obsolescência programada.
Pegando como exemplo os mesmos smartphones, pode se perceber que após sua introdução no mercado as empresas têm lançado novos modelos em intervalos menores de um ano.
Entre o primeiro iPhone e o último lançado recentemente, percebe-se um claro avanço que justifica a substituição do primeiro pelo último, ou seja, uma obsolescência real. Entretanto, entre o primeiro modelo e o último, foram lançados vários outros trazendo mudanças superficiais, num claro exemplo de obsolescência programada.
Os lançamentos de novos produtos devem ocorrer somente quando algum avanço significativo for possível.
Um exemplo são os videogames, que em geral são lançados num intervalo de seis anos, apresentando uma tecnologia muito superior à geração anterior. Quando o consumidor compra um videogame, ele tem uma previsão de quando este produto ficará defasado. Alguns fabricantes já tentaram diminuir o “ciclo de vida” de seus videogames para intervalos mais curtos, mas essa estratégia logo ficou malvista aos olhos dos “gamers”.
Em outro caso, a Microsoft enfrentou problemas no lançamento do Xbox 360 porque muitos consumidores relataram a “morte” do videogame pouco tempo após a compra. O problema que ficou conhecido como “3RL” (três luzes vermelhas, em português), consistia na parada de funcionamento do aparelho em razão do superaquecimento. Com esse fato, muitos consumidores deixaram de comprar o produto da Microsoft e se direcionaram ao Playstation 3, da Sony, que não apresentava problema semelhante.
Como se observa, os produtos podem se tornar obsoletos naturalmente, não havendo necessidade que as empresas forcem essa defasagem. A obsolescência programada, além de prejudicar o consumidor e o meio ambiente, lesa também a imagem da empresa que dela se aproveita.
5 CONCLUSÃO
Dentro do atual estágio da sociedade capitalista contemporânea, a enorme concorrência faz com que as empresas busquem formas de auferir o máximo de lucro com seus produtos. Sob o pretexto de fomentar a economia e garantir o emprego de seus funcionários, muitas delas apelam à obsolescência programada para garantir que o consumidor continue a comprar seus lançamentos.
Nesta sociedade de consumo com produtos de pouca durabilidade, nos deparamos com o problema da limitação dos recursos naturais da Terra. Por serem eles finitos, a obsolescência programada não poderá ser realizada para sempre.
Felizmente algumas empresas já dão sinais que a obsolescência programada está com os dias contados. Alguns televisores da Samsung estão vindo com um “kit” para serem atualizadas por seus proprietários. Por sua vez, a Philips está investindo no desenvolvimento de lâmpadas ultra-duráveis, sendo que algumas delas ficam acesas por até 25.000 horas.
Neste contexto os consumidores devem buscar um consumo sustentável e refletir se ele realmente precisa trocar o smartphone todos os anos. Embora os principais responsáveis pela obsolescência programada sejam os fornecedores, a cadeia não se completaria se o consumidor resistisse às pseudoinovações lançadas no mercado.
O que se propõe não é a queda do capitalismo e o retorno à idade da pedra, mas sim um crescimento sustentável.
Talvez a obsolescência programada fora importante para evitar o colapso das empresas em momento de crise. Mas este artifício deveria ser utilizado por curto prazo. Se essa prática não for encerrada, talvez no futuro o que se tornará obsoleto será o nosso querido Planeta Azul.
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Fonte: Jusbrasil