No artigo de hoje iremos falar sobre o interrogatório do réu em juízo. Teceremos comentários sobre a natureza jurídica do instituto, bem como sobre a possibilidade do réu faltar ao seu próprio interrogatório.
Sabe-se que, no passado, o interrogatório do réu era um ato processual que visava tão somente a extrair a confissão do acusado, pouco importando os meios que eram utilizados para a obtenção dessa confissão. O interrogado era submetido a um tratamento desumano e degradante. Era objeto e não sujeito do processo.
Assim, no escopo de buscar a verdade acerca do fato histórico (fato delituoso), os juízes utilizavam a tortura como principal instrumento. E como a história já nos ensinou, a tortura ou qualquer outro método que viole a dignidade humana é ineficaz na busca pela verdade.
A “santa” inquisição nos mostrou claramente que a obtenção, a qualquer custo, da confissão do acusado, acerca do cometimento de uma infração, na maioria das vezes é ineficaz, uma vez que o que é dito pelo interrogado, quando está submetido a tortura ou qualquer outro tratamento degradante, nem sempre expressa a verdade dos fatos.
Partindo-se dessa premissa, surge a primeira indagação: qual é a natureza jurídica do interrogatório do réu? É meio de defesa ou meio de prova?
Nos filiamos a posição de Aury Lopes Jr e de tantos outros autores, no sentido de que o interrogatório do réu é meio de prova, mas também constitui meio de defesa, sobretudo após a reforma no Código de Processo Penal (CPP) de 2008, que deixou o interrogatório do réu como sendo o último ato da audiência única de instrução.
A mudança deixou o réu com a última palavra na colheita da prova, evidenciando assim o traço defensivo inerente ao interrogatório, que possibilitou ao réu contar a sua versão dos fatos por último, após ter escutado todas as outras.
Sendo assim, conforme já dito, após a reforma de 2008, que alterou diversos dispositivos no CPP, o interrogatório do réu passou a ser o último ato da audiência de instrução no rito comum ordinário, sendo realizado, portanto, somente após a colheita de todo material probatório.
Em outros dizeres: o interrogatório do réu, que anteriormente era o primeiro ato processual de instrução, passou a ser o último ato, sendo colhido em audiência única (pelo menos é o que deveria ser), após a produção de todas as provas, ficando o réu com a possibilidade de refutar tudo o que fora alegado pelas partes.
Nota-se, portanto, que o interrogatório do réu possui natureza híbrida: funciona tanto como meio de prova (já que existe a possibilidade das partes formularem perguntas ao interrogado, nos termos do art. 188 do CPP) como também como meio de defesa (já que o interrogatório é o último ato da audiência de instrução e existe a previsão no art. 186 do CPP de o réu permanecer em silêncio durante o interrogatório, sem que isso possa causar algum tipo de prejuízo para o mesmo).
Nesse diapasão, o direito ao silêncio, desdobramento da autodefesa ou defesa pessoal, está consagrado no art. 5º, LXIII, da Constituição Cidadã de 1988, bem como no art. 186 do CPP (valendo ressaltar que o parágrafo único, segunda parte, do art. 186 do CPP, que diz que o silêncio do réu pode ser interpretado em desfavor da defesa, por motivos lógicos, não foi recepcionado pela Constituição de 1988), constituindo uma garantia fundamental do réu.
Assim, o silêncio do réu durante o seu interrogatório, no que tange às perguntas acerca dos fatos, não poderá ser interpretado de forma contraria à defesa, e muito menos importará na confissão do acusado.
Ou seja, o silêncio não poderá ser valorado negativamente por parte do magistrado, uma vez que constitui garantia do réu e está respaldado pelo princípio da não autoincriminação ou nemo tenetur se detegere (princípio fundamental que impulsiona todo o processo penal, que diz que o sujeito passivo não está obrigado a colaborar na investigação, e tampouco na produção de provas contra si mesmo).
Em síntese, pois, nota-se ser o interrogatório um meio primordial de defesa, mas não perde o seu caráter de meio de prova. Nessa oportunidade, o réu pode utilizar o seu direito ao silêncio (absoluto, sem consequências prejudiciais à sua defesa), bem como pode preferir confessar (NUCCI, 2015, p. 104).
Sabe-se que o réu tem o direito de permanecer em silêncio durante o seu interrogatório, em razão do direito de autodefesa, que, por sua vez, engloba o direito de audiência e o de presença, que devem ser analisados sob o ponto de vista defensivo, à luz do princípio da não autoincriminação.
Nesse contexto, nota-se que o não comparecimento do réu ao seu interrogatório deve ser interpretado como uma estratégia de defesa, pois, apesar do acusado ter o direito de audiência e o de presença, ele pode renunciá-los.
Exige-se apenas que haja intimação para que o réu compareça ao interrogatório, para que não ocorra cerceamento de defesa. Assim, o não comparecimento do réu, que foi citado de forma regular, por si só, não irá gerar nulidade, devendo-se demonstrar o prejuízo causado para que a nulidade possa incidir, caso contrário o réu será tratado como revel, nos termos do art. 367 do CPP (vale ressaltar que no processo penal a revelia opera efeitos distintos do que ocorre no processo civil, pois naquele os fatos imputados não se presumem verdadeiros em razão da ausência do réu na audiência).
Com efeito, o não comparecimento do réu ao interrogatório como estratégia de defensiva é perfeitamente válido, e está em harmonia com o princípio da não autoincriminação, já que ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo, alinhando-se ainda ao direito de audiência e ao de presença, que podem ser exercidos de forma negativa.
Isso possibilita que o réu fique ausente durante a audiência, não participando, portanto, do seu interrogatório, uma vez que a defesa pessoal ou autodefesa é renunciável: pode ou não ser exercitado, haja vista o direito ao silêncio.
Todavia, em sentido contrário, a falta de defesa técnica enseja a nulidade absoluta, sem que se precise demonstrar o efetivo prejuízo causado, pois nos termos do art. 261 do CPP, a defesa técnica é imprescindível não podendo ser renunciada, diferentemente do que ocorre com a autodefesa, que conforme já dito, pode ser renunciada através do não comparecimento, por exemplo, do réu ao seu interrogatório.
Ante o exposto, nota-se que a ausência de defesa técnica (exercida pelo advogado ou defensor público) gera a nulidade do interrogatório em razão de sua imprescindibilidade.
Já a falta de autodefesa só gera nulidade se for demonstrado o prejuízo para o réu. Está é prescindível e pode ser utilizada como estratégia de defesa de forma negativa, já que o réu pode ficar em silêncio, não respondendo as perguntas acerca dos fatos. Nada impossibilita que ele falte ao interrogatório, exercendo assim o seu direito ao silêncio e por via reflexa o direito de não produzir provas contra si mesmo.
O direito de silêncio é apenas uma manifestação de uma garantia muito maior, insculpida no princípio nemo tenetur se detegere, segundo o qual o sujeito passivo não pode sofrer nenhum prejuízo jurídico por omitir-se de colaborar em uma atividade probatória da acusação ou por exercer seu direito de silêncio quando do interrogatório. (LOPES JR, 2016, p. 57)
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Escrito por: Daniel Lima
Fonte: Jusbrasil