O artigo 133 da Constituição e o artigo 7º, parágrafo 2º, do Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94) garantem a inviolabilidade do advogado por seus atos e manifestações, desde que no exercício profissional, ressalvadas as hipóteses de excesso injustificado. Assim, não configura ilícito, passível de reparação, manifestação escrita em recurso judicial, embora em tom grosseiro.
Com esse entendimento, a 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul negou pedido de danos morais feito por uma juíza da Justiça Militar contra um advogado da Comarca de Passo Fundo. O juízo de origem havia condenado o advogado a pagar R$ 15 mil a título de reparação, por entender que a manifestação escrita na petição de um recurso feriu os direitos de personalidade da juíza, assegurados no artigo 5ª da Constituição.
Em síntese, tudo começou quando o advogado ajuizou ação para anular punição administrativa imposta a um soldado da Brigada Militar por disparo de arma de fogo em animal doméstico, com a consequente reclassificação do comportamento do autor em sua ficha funcional. O procedimento ordinário foi protocolado na auditoria da Justiça Militar de Passo Fundo.
O processo foi distribuído à juíza de Direito substituta Dione Dorneles Silva, que indeferiu a antecipação da tutela em que pleiteava a suspensão da punição detentiva de um dia imposta ao réu. Ela ainda concedeu o benefício da assistência judiciária gratuita e requereu cópia integral do processo administrativo-disciplinar (PAD), determinando a citação do estado do RS.
Inconformado com a decisão, o advogado do autor interpôs agravo de instrumento. Na peça, ele afirmou que a juíza desconhecia a legislação, pois não há lei que estipule horário para ingresso de ação. ‘‘Ademais parece que a magistrada transparece não ter noção de que o autor estava detido e o escritório do procurador fica a aproximadamente 100km de distância da cidade de Erechim, onde se encontram o procedimento administrativo e o boletim interno; ademais, o expediente administrativo da Brigada Militar é das 12h30min às 18h30min.”
A reclamação mais contundente, que deu origem à ação indenizatória contra o advogado, dizia: ‘‘Paralelamente, protuberante salientar a profunda indignação com atos desmedidos proferidos por alguns desidiosos desprovidos de bagagem de vida pertencentes ao judiciário brasileiro, que preferem despachar e ‘passar a bola’ para instâncias superiores do que averiguar a veracidade dos fatos alegados nos casos que circundem sua égide”.
Indenizatória procedente
No primeiro grau da Justiça comum estadual, a ação indenizatória por responsabilidade civil foi julgada procedente pelo 2º Juizado da 5ª Vara Cível da Comarca de Passo Fundo. O juiz Diego Diehl Barth afirmou que o ‘‘trecho específico e controverso’’ destoou do restante do conteúdo do recurso, deixando de lado o combate à decisão proferida para se dirigir à julgadora, atacando a honra dela.
Nos trechos ofensivos, depreendeu o julgador, o advogado claramente acusou a juíza de ser ‘‘desidiosa, neófita e de tapear, de alguma forma, a sua função, de modo a evitar de usar a sua autoridade legal e relegar o exame correto da ação para o segundo grau de jurisdição, dissimuladamente eximindo-se das suas funções para que outros — o segundo grau — a desempenhassem’’.
Ele lembrou que o Superior Tribunal de Justiça traz precedentes sinalizando que a imunidade do advogado, por atos e palavras, não é absoluta. Tal não alcança os ‘‘excessos desnecessários’’ ao debate da causa cometidos contra a honra de quaisquer das pessoas envolvidas no processo, seja o magistrado, a parte, o membro do Ministério Público, o serventuário ou o advogado da parte contrária.
Para o julgador, foi exatamente o que ocorreu no caso dos autos, o que não pode ser considerado normal. ‘‘A se permitir essas situações, os processos deixarão de objetivar o fim pretendido pelas partes e passarão a comportar, também, uma espécie de palco para desabafos, desinteligências, troca de ofensas, verborragias e toda a sorte de discussões de cunho pessoal que, além de permitirem que a lide se desvie do seu foco, ainda originarão mais e mais processos, nos quais os ofendidos em tais contendas postularão reparação civil entre si’’, arrematou.
Apelação provida
O relator do recurso de apelação na 10ª Câmara Cível do TJ-RS, desembargador Túlio de Oliveira, reconheceu o emprego de ‘‘expressões indelicadas, grosseiras, inconvenientes e desnecessárias’’. No entanto, entendeu que estas não têm ‘‘potencial lesivo’’ para gerar o direito à indenização por danos morais, por abuso de direito, como prevê o artigo 187do Código Civil. Por isso, reformou a sentença, absolvendo o réu.
Na avaliação do relator, o apelante limitou-se a informar, nas razões recursais, sobre o horário de expediente interno da Brigada Militar e a inexistência de lei que limite o horário de ingresso de petitórios. Ou seja, a peça descreveu situação fática, justificando, também, a ausência de outros documentos, que estavam na posse da Brigada Militar em comarca diversa e distante.
Em síntese, Martins se convenceu de que não houve dolo por parte do advogado, o que afasta a responsabilidade civil por danos morais. ‘‘Por tudo, chego à conclusão que não houve mácula à dignidade da demandante capaz de gerar dano moral indenizável, sem que das expressões empregadas pelo demandado tenha comprovado a magistrada que teve sua honra profissional manchada perante a classe dos magistrados e/ou os cidadãos de Passo Fundo’’, afirmou.
O acórdão, com entendimento unânime do colegiado, foi lavrado na sessão de 14 de dezembro.
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Fonte: https://www.conjur.com.br