Estratégias jurídicas para proteção do direito à intimidade
A comunicação mediada por computadores e massificação do acesso a dispositivos de captação e troca de imagens garantiu uma gama de possibilidades à sociedade contemporânea – entre elas, novos ilícitos.
Um dos maiores problemas atuais é a chamada pornografia de vingança – do inglês revenge porn, é quando uma pessoa divulga a terceiros fotos íntimas sem autorização prévia.
As mais comuns são de nudez, enviadas de forma privada a destinatário certo que, de modo a desmoralizar a imagem da pessoa, transmite o arquivo a outrem.
Acontece muito em finais de relacionamento quando a parte inconformada divulga cenas íntimas do casal, geralmente proferindo ofensas à honra.
Este, no entanto, não é o único caso. Mesmo “ficantes”, parceiros casuais e profissionais contratados se enquadram neste crime.
Outros exemplos são quando há gravação de imagem ou vídeo sem a autorização da pessoa: uma câmera escondida é posicionada para que, posteriormente, o criminoso possa se enaltecer perante amigos com sua performance sexual.
Infelizmente trata-se de um crime com forte recorte de gênero: em geral são mulheres as principais vítimas, com ficantes, namorados e parceiros em geral compartilhando imagens por WhatsApp, Facebook ou Instagram.
Como agir nestes casos
A primeira coisa que você deve fazer é produzir provas. A melhor maneira de fazer isso é indo ao cartório e registrando uma ata notarial.
Se a imagem foi postada em algum site na internet, como Xvideos, você deverá copiar o link do conteúdo.
Se for em uma aplicação de celular, deverá levar o respectivo aparelho.
Com estes dados o escrevente ou tabelião vai visualizar o conteúdo e relatar os fatos. Além disso, irá imprimir todas as imagens e colar um selo da corregedoria da justiça, dando legitimidade àquele documento perante o juízo.
Este procedimento é importante pois, tratando-se de conteúdo on-line, é extremamente fácil efetuar a edição ou exclusão dos arquivos com apenas alguns cliques. Desta forma você poderá comprovar que aquilo realmente existiu, mesmo que apaguem os dados.
Outra opção é ir até a delegacia – preferencialmente as de crimes digitais – e efetuar um Boletim de Ocorrência.
Notifique a empresa responsável
Após a produção de ata notarial ou B. O., notifique o provedor responsável pelo acesso e divulgação das imagens. Você poderá efetuar essa comunicação nestes links: Google, Facebook, WhatsApp.
Como efetuar a comunicação?
- Primeiramente, você precisa comprovar que aquelas imagens são suas – ou de sua filha, seu filho. Poderá juntar fotos e documentos pessoais na notificação, por exemplo.
- Além disso, precisará especificar exatamente qual o conteúdo exige a remoção: se for uma mensagem de WhatsApp, forneça dados como seu número, o número do criminoso, qual a imagem divulgada – e, se possível, data e hora da divulgação.
- Também é importante registrar esta comunicação. Portanto, prefira o envio de e-mails; se não houver possibilidade, tire printscreens (captura de tela) da mensagem enviada para a empresa.
Procure assistência jurídica
Com todos estes documentos em mãos, procure uma advogada ou advogado. Se não puder contratar um particular, peça assistência da Defensoria Pública de sua cidade.
Legislação pertinente
O ilícito descrito acima viola o direito à intimidade, previsto no artigo 5º, inciso X da Constituição Federal.
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
Consoante ao preceito constitucional, o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14) prevê um regime de responsabilização específico para provedores de aplicações em casos de disponibilização ilegal de conteúdo íntimo.
Art. 21. O provedor de aplicações de internet que disponibilize conteúdo gerado por terceiros será responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade decorrente da divulgação, sem autorização de seus participantes, de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado quando, após o recebimento de notificação pelo participante ou seu representante legal, deixar de promover, de forma diligente, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, a indisponibilização desse conteúdo.
Importante salientar o parágrafo único do referido artigo, que determina a forma da referida notificação, sob pena de nulidade:
Parágrafo único. A notificação prevista no caput deverá conter, sob pena de nulidade, elementos que permitam a identificação específica do material apontado como violador da intimidade do participante e a verificação da legitimidade para apresentação do pedido.
Assim, é absolutamente fundamental expor extensivamente não apenas o teor do conteúdo, mas também quando foi enviado, por quem, e demonstrar a legitimidade para apresentação do pedido – seja da vítima ou seus representantes legais.
É dever profissional auxiliar o/a cliente neste processo, de modo que não seja decretada a nulidade da notificação ao provedor de aplicações.
Legislação penal
O rol de artigos irá depender de cada caso, a ser analisado pela profissional contratada.
- Crimes contra a honra: injúria e difamação podem ser evocados para responsabilizar a pessoa que divulgar material íntimo com o objetivo de desmoralizar a imagem da vítima.
- Lei Maria da Penha: se houver vínculo afetivo entre as partes, cabe enquadramento de acordo com este dispositivo.
- Lei 12.737/12: A invasão de dispositivo informático, como celular ou computador, é tipificada no artigo 154-A do Código Penal.
- Ameaça: Pode ser evocado se houver ameaça de divulgação do conteúdo caso a pessoa não reate o relacionamento, por exemplo.
- Estatuto da Criança e do Adolescente: Para casos envolvendo menores de idade.
Termos de uso
Outra fonte importante para a defesa será os Termos de Uso do site ou aplicação. Elenco abaixo alguns dos provedores mais utilizados:
Jurisprudência a ser construída
A particularidade e novidade do meio envolvido deve ser levado em conta para a devida aplicação do dispositivo legal. Para isso, é exigido de nós, operadores do direito, uma visão interdisciplinar dos fatos sociais, aliando pesquisa jurisprudencial a uma base técnica, ainda que leiga, a respeito do assunto.
Tratando-se de ilícito novo, recém-tipificado, a construção jurisprudencial ainda está a ser efetuada.
Tentarei, com o tempo, reunir mais informações a respeito, atualizando aos poucos o artigo. Se algum (a) colega tiver algo a acrescentar, agradeço imenso qualquer contribuição.
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Escrito por: Pedro Saliba
Referências bibliográficas
BRASIL, República Federativa do. Constituição Federal de 1988.
BRASIL, República Federativa do. Lei 12.965 de 23 de abril de 2014.
LEMOS, Ronaldo; SOUZA, Carlos Affonso. Marco Civil da Internet: construção e aplicação. Juiz de Fora: Editar Editora Associada Ltda, 2016.
CALDI, Valéria; FERNANDES, Simone dos Santos Lemos. Do reflexo do desenvolvimento das novas tecnologias de informação na prática de crimes contra crianças e adolescentes. In: SILVA, Ângelo (org.) Crimes cibernéticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2017.
Pornografia de Vingança: Leis. Disponível em: https://pornografiadevinganca.com/inicio/leis/. Acesso em: 27/06/2017.
Codingrights. Org: Manda nudes! Disponível em: https://www.codingrights.org/pt/manda-nudes/. Acesso em: 27/06/2017.