A sentença, ainda que ilíquida, constitui título executivo, figurando a liquidação como pressuposto para o cumprimento. Ocorre que, em razão da natureza do pedido, ou da falta de elementos nos autos, o juiz profere sentença ilíquida. Sentença ilíquida é a que, não obstante acertar a relação jurídica (torna certa a obrigação de indenizar, v.g.), não determina o valor ou não individua o objeto da condenação.
A liquidação, que constitui um complemento do título judicial ilíquido, se faz por meio de decisão declaratória, cujos limites devem ficar circunscritos aos limites da sentença liquidanda, não podendo ser utilizada como meio de impugnação ou de inovação do que foi decidido no julgado (art. 509, § 4º, CPC/2015). Apenas os denominados pedidos implícitos, tais como juros legais, correção monetária e honorários advocatícios, podem ser incluídos na liquidação, ainda que não contemplados na sentença.
A iliquidez pode ser total ou parcial. É totalmente ilíquida a sentença que, em ação de reparação de danos, apenas condena o vencido a pagar lucros cessantes (o que razoavelmente deixou de ganhar) referentes aos dias em que o veículo ficou parado. É parcialmente ilíquida a sentença que condena o réu a reparar o valor dos danos, orçados em R$ 3.000,00, causados ao veículo de propriedade do autor e, ao mesmo tempo, condena-o ao valor equivalente à desvalorização do veículo, conforme se apurar em liquidação. No caso de iliquidez parcial, poderá o credor (ou o devedor), concomitantemente, requerer o cumprimento da parte líquida nos próprios autos, e a liquidação da parte ilíquida, em autos apartados (art. 509, § 1º, CPC/2015).
O novo Código contempla duas formas de liquidação: por arbitramento e pelo procedimento comum. A diferença entre estas e as formas previstas no Código de 1973 (por arbitramento e por artigos) é apenas de nomenclatura. De acordo com o CPC/1973, na liquidação por artigos observa-se o procedimento adotado no processo do qual se origina a sentença. É possível, portanto, que a liquidação se realize pelo rito comum sumário ou pelo rito comum ordinário. Como o CPC/2015 prevê um procedimento único para todas as ações de conhecimento, a liquidação de sentença que dependa da prova de fatos novos somente será possível com utilização do procedimento comum.
DETERMINAÇÃO DO VALOR DA CONDENAÇÃO POR CÁLCULO DO CREDOR
Não sendo o caso de liquidação, o credor deverá apresentar a memória discriminada e atualizada do cálculo, o que pode ser feito no próprio pedido de cumprimento da sentença (art. 509, § 2º, CPC/2015). Essa providência tem por objetivo delimitar a pretensão do credor (pedido mediato), permitindo ao devedor controlar a exatidão da quantia executada e controvertê-la por meio de impugnação, se for o caso.[1]
De regra, não se exige dilação probatória para definição do valor a ser apurado. De qualquer forma, não se suprime o contraditório. O credor requer o cumprimento da sentença, instruindo o pedido com o demonstrativo discriminado e atualizado do crédito.[2] O devedor, então, é intimado para pagar o valor constante do demonstrativo no prazo de quinze dias. Intimado, o devedor pode efetuar o pagamento, caso em que a fase de cumprimento de sentença será extinta por sentença. Decorrido o prazo sem pagamento, iniciam-se mais quinze dias para a apresentação de impugnação, independentemente de nova impugnação.
LIQUIDAÇÃO NA PENDÊNCIA DE RECURSO
O art. 512, CPC/2015, admite a liquidação antecipada da sentença, ou seja, na pendência de recurso, ainda que tenha sido recebido também no efeito suspensivo. Nesse caso, o pedido de liquidação, que é formulado no juízo de origem e autuado em apartado, será instruído com cópias das peças processuais pertinentes.
A mera expectativa de que o provimento deferido na primeira instância seja mantido legitima o presumido credor a agilizar a satisfação futura de sua pretensão, mensurando, desde já, a quantia devida. É incomum que o próprio devedor requeira a liquidação antecipada, mas o Código não faz nenhuma distinção. Se, por exemplo, é o credor que recorre da sentença por considerar que o juiz não acolheu integralmente o seu pedido, pode o devedor pleitear a liquidação.
Essa liquidação antecipada em nada prejudica o suposto devedor ou o suposto credor, porquanto esses poderão, concomitantemente com o processamento do recurso, opor-se aos termos da liquidação. Ademais, dado provimento ao recurso, o cumprimento do julgado terá por baliza a obrigação definida no acórdão, o qual, nos termos do art. 1.008, substitui a decisão recorrida no que tiver sido impugnado.
Como já afirmado, o recebimento do recurso no efeito suspensivo não impede a liquidação antecipada. Entretanto, embora liquidada antecipadamente, caso penda recurso ao qual se imprimiu efeito suspensivo, não poderá o credor executar provisoriamente a sentença.
Somente a sentença ou o acórdão impugnado por meio de recurso recebido no efeito meramente devolutivo é passível de cumprimento provisório. Assim, finda a liquidação antecipada, o credor somente pode promover a execução provisória caso o recurso não tenha sido recebido no efeito suspensivo.
PROCEDIMENTO
Qualquer que seja a forma da liquidação, o procedimento inicia-se com o pedido do credor (ou do devedor[3]), formulado por simples petição, à qual não se aplica o disposto no art. 319, CPC/2015.
Os termos da petição bem como o procedimento a ser observado dependerão da forma de liquidação. Por exemplo, em se tratando de liquidação por arbitramento, a fim de se apurar a desvalorização decorrente de acidente de automóvel, devem-se indicar os danos sofridos pelo veículo, conforme reconhecido na sentença. Tratando-se de liquidação pelo procedimento comum, a petição deve indicar os fatos a serem provados.
Autuada a petição, cabe ao juiz adotar uma das seguintes providências: (a) indeferi-la; (b) determinar que se emende a petição; ou (c) determinar a intimação das partes, na liquidação por arbitramento, ou do requerido (credor ou devedor), na liquidação pelo procedimento comum.
Na liquidação por arbitramento as partes serão intimadas para apresentar os documentos necessários à liquidação no prazo assinalado pelo juiz. O réu revel, sem procurador nomeado nos autos, não precisa ser intimado dos atos subsequentes à citação. Entretanto, embora não intimado para a fase da liquidação, poderá o réu revel intervir no procedimento liquidatório, desde que o faça por meio de advogado, no prazo fixado para a intervenção, contado da publicação do ato decisório no órgão oficial.
Em se tratando de liquidação pelo procedimento comum, a intimação, de regra, se faz na pessoa do advogado do requerido ou da sociedade de advogados a que estiver vinculado (art. 511, CPC/2015). Essa previsão se harmoniza com a redação do art. 105, § 3º, que determina ao advogado integrante de sociedade de advocacia a indicação, no instrumento de mandato anexado à petição inicial, dos dados do escritório ao qual estiver vinculado. Vale ressaltar que não é a sociedade que atuará nos autos. O patrocínio da causa é pessoal. A sociedade apenas será intimada de determinadas publicações por meio do diário oficial. E essa intimação compele o advogado à atuação.
O procedimento da liquidação encerra-se por decisão que irá declarar o quantum debeaturou individuar o objeto da obrigação, integrando a sentença condenatória anteriormente prolatada e possibilitando a execução por meio do cumprimento de sentença. Exatamente por se tratar a liquidação de fase ou incidente do processo de conhecimento, tal pronunciamento judicial tem natureza de decisão interlocutória, sujeita, pois, a agravo, conforme expressamente previsto no art. 1.015, parágrafo único, CPC/2015.
LIQUIDAÇÃO POR ARBITRAMENTO
Far-se-á a liquidação por arbitramento quando (art. 509, I, CPC/2015):
a) determinado pela sentença ou convencionado pelas partes: a convenção das partes, geralmente, é anterior à sentença e nela contemplada;
b) o exigir a natureza do objeto da liquidação: estimar a extensão da redução da capacidade laborativa de uma pessoa, por exemplo, depende de conhecimentos técnicos, mas também de apreciação subjetiva do perito, daí por que, em tal caso, recomenda-se a liquidação por arbitramento.
Aplicam-se à liquidação por arbitramento as normas sobre a prova pericial (art. 510, CPC/2015), que, como vimos, consiste em exame, avaliação ou vistoria. Exame consiste na inspeção para verificar alguma circunstância fática em coisa móvel que possa interessar à solução do litígio. Vistoria é a inspeção realizada em bens imóveis. Avaliação tem por fim a verificação do valor de algum bem ou serviço.
O credor ou o devedor requererá liquidação por meio de simples petição. O juiz determinará, então, a intimação para a apresentação de pareceres ou documentos elucidativos, na tentativa de apurar o quanto devido. No mesmo despacho, caso não possa decidir de plano, nomeará perito, fixando o prazo para entrega do laudo.
Note que o novo Código permite que as próprias partes apresentem os documentos e pareceres necessários à apuração do quantum debeatur sem a necessidade de prévia nomeação de perito (art. 510, primeira parte). Somente quando o juiz, de posse dos elementos apresentados pelos interessados, não puder decidir de plano o valor da condenação, será possível a produção de prova pericial.
LIQUIDAÇÃO PELO PROCEDIMENTO COMUM
Far-se-á a liquidação pelo procedimento comum quando, para determinar o valor da condenação, houver necessidade de alegar e provar fato novo (art. 509, II, CPC/2015). Fato novo é aquele que não foi considerado na sentença. Irrelevante que se trate de fato antigo, ou seja, surgido anteriormente à prolação da sentença, ou de fato novo, isto é, surgido posteriormente ao ato sentencial.
Fato novo, para fins de liquidação, é aquele que, embora não considerado expressamente na sentença, encontra-se albergado na generalidade do dispositivo, no contexto do fato gerador da obrigação, tendo portanto relevância para determinação do objeto da condenação.
Exemplo: o réu (empregador) foi condenado a ressarcir danos pessoais e lucros cessantes sofridos em razão de acidente de trabalho por culpa daquele empregador, conforme se apurar em liquidação. A liquidação, nesse caso, faz-se com a observância do procedimento comum, em face da necessidade de se provar fatos novos, como, por exemplo, gastos com despesas médico-hospitalares e paralisação de atividades. Indispensável é que tais fatos tenham relação causal com o acidente reconhecido na sentença, porquanto não se permite discutir novamente a lide ou modificar a sentença que a julgou (art. 509, § 4º, CPC/2015).
Tal como na liquidação por arbitramento, o procedimento encerra-se por decisão interlocutória, que complementa a sentença liquidanda.
OUTROS ASPECTOS DA LIQUIDAÇÃO
A decisão proferida no procedimento liquidatório tem natureza interlocutória, razão pela qual cabível o recurso de agravo de instrumento (art. 1.015, parágrafo único, CPC/2015).
O agravo de instrumento, de regra, não tem efeito suspensivo. Assim, a menos que o relator imprima tal efeito ao recurso, a execução prescinde aguardar o julgamento do agravo interposto contra a decisão que pôs fim à liquidação.
Finalizada a liquidação, pode o credor partir para a execução da sentença, podendo ser provisória ou definitiva. Definitiva, se a sentença transitou em julgado (art. 523, CPC/2015); provisória, caso a sentença tenha sido impugnada por recurso desprovido de efeito suspensivo (art. 520, CPC/2015).
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Escrito por: Elpídio Donizetti
Fonte: GEN Jurídico