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O atual prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), declarou guerra contra as pichações, afirmando que pichadores “devem mudar de profissão”, o que causou polêmica dentre os adeptos da referida ‘arte’, confrontando-a desde sua campanha eleitoral.

Defendeu, ainda, seu programa chamado de “Arte Urbana”, na qual convida os pichadores a se tornarem grafiteiros/muralistas, para serem respeitados pela população.

Estaria, então, João Doria adotando o modelo norte-americano de tolerância zero, com a aplicação da teoria das janelas quebradas aqui no Brasil – uma vez que não deixará de reprimir as pichações, e aqueles que violarem tal preceito irão confrontar a polícia e consequentemente a justiça?

“Isso (pichações) acontece com anuência da prefeitura. Vamos coibir isso. Vandalismo tem que ser tratado como caso de polícia. É uma agressão contra a cidade. Ela tem que ser respeitada”, afirmou.

Para que você possa entender melhor, necessário se faz uma pequena explicação sobre o que defende a teoria supracitada.

O estudo da Teoria das Janelas Quebradas (Broken Windows Theory) possibilita uma análise do conjunto de fatos ou elementos que contribuem para o delito, demonstrando a necessidade de se prevenir as pequenas infrações penais nos contextos sociais, que, por menos lesivas que sejam a bens jurídicos, devem ser reprimidas.

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Pois, a partir da respectiva teoria, existe uma correlação entre desordem e criminalidade.

Em 1969, Stanford University (EUA), o Professor Philip Zimbardo conduziu um experimento de psicologia social em Nova York. Utilizou para a experimentação uma zona de baixa renda e em outra zona de classe alta da cidade. Em ambas, foram abandonados dois carros idênticos, de mesma marca, cor e valor.

O primeiro foi deixado no Bronx, que é considerado um bairro perigoso e o outro em Palo Alto, uma das afluentes zonas calmas da Califórnia. Dois carros idênticos abandonados em dois bairros com populações muito diferentes e uma equipe de especialistas em psicologia social para estudar o comportamento das pessoas em cada local.

Descobriu-se que o carro abandonado no Bronx começou a ser desmontado em poucas horas. Ele perdeu as rodas, motor, espelhos, rádio. Levaram tudo que podia ser aproveitado, e o que não era, foi destruído. Ao contrário do carro abandonado em Palo Alto, que permaneceu intacto.

Cacos de vidro em um carro abandonado transmitem uma ideia de ruína, de indiferença, quebra de regras, a ausência de lei, normas, e que nada é para valer.

Cada novo ataque sofrido pelos automóveis multiplicava essa ideia de desordem, de que se eram frequentes os ataques, era porque não havia punição para os precedentes. Desta forma, o avanço de acontecimentos ficou cada vez pior, tornando-se irresistível, levando a uma violência irracional.

A partir desses experimentos, no ano 1982, o cientista político James Q. Wilson e o psicólogo criminologista George Kelling, americanos, desenvolveram estudo mostrando a relação de causalidade entre desordem e criminalidade.

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Jorge Luiz Bezerra, em seu livro Segurança pública, uma perspectiva político criminal à luz da teoria das janelas quebradas, cita

“A base doutrinaria da teoria das janelas quebradas são as correntes do positivismo criminológico e a criminologia sociológica, além da política criminal, fundadas no utilitarismo e prevencionismo. Partindo do pressuposto de que não é só a falta de meios de subsistência, de educação e de justiça que leva ao crime, a tolerância da sociedade e do estado com os pequenos delitos pode ser a maior causa.”

Um ambiente degradado contribui para que o mesmo torne-se menos convidativo à convivência, diminuindo, portanto, as chances de que os indivíduos se mobilizem a fim de modificar as condições estruturais desfavoráveis presentes ali. Assim, diminui a possibilidade de que a polícia exerça vigilância eficaz sobre essas ruas.

E quando determinada área passa indicações de que é uma região socialmente desorganizada e vulnerável, os delinquentes se sentem a vontade para cometer mais delitos ali.

Porém, a prática de pichação é prevista como crime na lei nº 9.605/98 (crimes ambientais), em seu art. 65 que diz, “pichar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano, pena detenção de 3 meses a 1 anos”, “se o ato for realizado em monumento ou coisa tombada em virtude do seu valor artístico, arqueológico ou histórico, a pena é de 6 meses a 1 ano”.

A mesma lei diz que não constitui crime a prática de grafite “realizada com o objetivo de valorizar o patrimônio público ou privado mediante manifestação artística, desde que consentida pelo proprietário e, quando couber, pelo locatário ou arrendatário do bem privado e, no caso de bem público, com a autorização do órgão competente e a observância das posturas municipais e das normas editadas pelos órgãos governamentais responsáveis pela preservação e conservação do patrimônio histórico e artístico nacional”.

João Doria pretende então reprimir o que já está previsto como crime, que no nosso entender, trata-se de uma espécie de ‘limpeza da cidade’, de forma que, como dito anteriormente, o espaço em ordem, passa a ideia de aplicação e respeito às normas de convívio.

É muito cedo para afirmar se a postura de João Doria irá de fato reprimir futuras condutas criminosas, no entanto, trata-se de clara aplicação da operação de tolerância zero Norte Americana, que inclusive, apresentou resultados satisfatórios nos EUA.

Ocorre que no Brasil a realidade é totalmente diferente, há de se fazer uma pesquisa realmente empírica para aferir se tal resultado no projeto de João Doria surtirá efeitos.

Entende-se, por fim, que os objetivos da sociedade são atingidos quando há o funcionamento perfeito de suas instituições, com os indivíduos convivendo e compartilhando as metas sociais comuns, concordando com as normas de convívio.

Portanto, a toda política criminal de prevenção ao delito deve se atribuir certa esperança, pois como já defendido em outros artigos, a prevenção eficaz torna-se desnecessária a repressão, e consequentemente, a aplicação do Direito penal em ultima ratio.

Fonte: Canal Ciências Criminais