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O STJ recentemente decidiu acerca do tema.

Primeiramente, é importante conceituar o contrato de seguro, que é quando segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados, nos termos do art. 757 do CC.

Assim, uma pessoa física ou jurídica (“segurada”) paga uma quantia denominada de “prêmio” para que uma pessoa jurídica (“seguradora”) assuma determinado risco. Se o risco se concretizar (“sinistro”), a seguradora deverá fornecer à segurada uma quantia previamente estipulada (indenização).

O contrato de seguro é baseado no risco, na mutualidade e na boa-fé, que constituem seus elementos essenciais.

No seguro de automóvel celebrado por uma empresa com a seguradora, é devida a indenização securitária quando o causador do sinistro foi terceiro condutor (preposto da empresa segurada) que estava em estado de embriaguez?

• Em regra: NÃO.

• Exceção: será devido o pagamento da indenização se a empresa segurada conseguir provar que o acidente ocorreria mesmo que o condutor não estivesse embriagado.

Não é devida a indenização securitária decorrente de contrato de seguro de automóvel quando o causador do sinistro – preposto da empresa segurada – estiver em estado de embriaguez, salvo se o segurado demonstrar que o infortúnio ocorreria independentemente dessa circunstância. STJ. 3ª Turma. REsp 1.485.717-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 22/11/2016 (Info 594).

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  • Agravamento do risco e perda da indenização

De acordo com o art. 768 do CC, o segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato.

Assim, havendo agravamento do risco, o segurado perde o direito à indenização.

O segurado deverá, por dolo ou culpa grave, ter praticado algum ato que aumente o risco que havia sido combinado.

Destaca-se que, para ser considerado “agravamento do risco“, é necessário que a conduta tenha sido praticada pelo próprio segurado, o qual deverá, com dolo ou culpa grave, ter praticado algum ato que aumente o risco que havia sido combinado.

A ingestão de bebida alcoólica reduz o discernimento, os atos reflexos, o processamento de informações no cérebro, entre outras consequências danosas, mesmo em pequenas doses, o que torna o motorista menos apto a dirigir, aumentando sensivelmente o risco de o sinistro acontecer. Assim, há clara relação entre o consumo consciente de bebida alcoólica e a majoração da taxa de acidentalidade, demonstrada, inclusive, por dados estatísticos.

Em outros termos, a bebida alcoólica é capaz de alterar as condições físicas e psíquicas do motorista, que, combalido por sua influência, acaba por aumentar a probabilidade de produção de acidentes e danos no trânsito.

Assim, a direção do veículo por um condutor alcoolizado representa agravamento essencial do risco combinado.

Por essas razões, a cláusula contratual excluindo a cobertura do seguro no caso de embriaguez não é abusiva, pelo contrário, legítima. Deve, contudo, estar prevista de forma expressa e clara.

O seguro de automóvel não pode servir de estímulo para a assunção de riscos imoderados que, muitas vezes, beiram o abuso de direito, a exemplo da embriaguez ao volante. A função social do contrato de seguro de automóveis é servir como um instrumento de valorização da segurança viária, devendo, por isso, estar de acordo com as leis penais e administrativas que punem a embriaguez ao volante.

O segurado, quando ingere bebida alcoólica e assume a direção do veículo, frustra a justa expectativa das partes contratantes na execução do seguro, pois rompe-se com os deveres anexos do contrato, como os de fidelidade e de cooperação.

Constatado que o condutor do veículo estava sob influência do álcool quando se envolveu em acidente de trânsito, haverá uma presunção relativa de que o risco da sinistralidade foi agravado, o que ensejará a aplicação da pena do art. 768 do CC.

Por outro lado, a indenização securitária deverá ser paga se o segurado demonstrar que o infortúnio ocorreria independentemente do estado de embriaguez. Ex: o segurado poderá provar que a culpa foi do outro motorista, que houve falha do próprio automóvel, imperfeições na pista, animal na estrada etc.

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  • Ônus da prova

Seguradora: precisa comprovar que o motorista estava embriagado. A partir daí surge a presunção de que houve o agravamento do risco e a indenização não será, em princípio, devida.

Segurado: poderá comprovar que o acidente ocorreria mesmo que o condutor não estivesse embriagado. Se não conseguir provar isso, perderá o direito à indenização.

  • Caso de o indivíduo que estava dirigindo embrigado não era aquele que contratou o seguro

A configuração do risco agravado não se dá somente quando o próprio segurado se encontra alcoolizado na direção do veículo, mas abrange também os condutores principais (familiares, empregados e prepostos).

Isso porque o agravamento intencional de que trata o art. 768 do CC envolve tanto o dolo quanto a culpa grave do segurado, que tem o dever de vigilância (culpa in vigilando) e o dever de escolha adequada daquele a quem confia a prática do ato (culpa in eligendo). Se o segurado não escolhe de forma correta a quem entrega o veículo ou não o fiscaliza adequadamente, incide em culpa.

O segurado deve se portar e tomar todos os máximos cuidados como se não tivesse feito o seguro. A isso se chama de princípio do absenteísmo, isto é, ele tem o dever de se abster de tudo que possa incrementar, de forma desarrazoada, o risco contratual.

Logo, a pessoa que fez o seguro deve tomar todos os cuidados possíveis quando for entregar o veículo segurado para alguém dirigir.

Desse modo, o simples fato de o indivíduo que estava dirigindo não ser aquele que contratou o seguro não serve como argumento para que a indenização deixe de ser paga. Como explica a doutrina:

“(…) não fosse assim e admitido o entendimento acima exposto, bastaria ao proprietário do veículo nunca conduzi-lo, fazendo sempre uso do subterfúgio de registrar o bem em nome de terceiro, de esposa, de filhos, pois se imunizaria frente às consequências contratuais do mau uso que vier a fazer do bem. Seria como que um salvo-conduto para que se conduzisse o veículo sob influência de álcool, impregnando o contrato de seguro com uma exegese frontalmente contrária à função social mencionada no art. 421 do CC e à boa-fé preconizada no art. 422 do mesmo diploma legal.

Ao se entender que o dispositivo do art. 768 do CC deve ser interpretado literalmente e que a disposição contratual acerca da inexistência de cobertura por condução de veículo sob influência de álcool destina-se unicamente ao próprio segurado, se está emprestando ao contrato de seguro de veículos automotores uma exegese, a nosso ver, contrária à sua função social e com efeitos nefastos a toda a sociedade. (FERNANDES, Marcus Frederico B. Seguro de Automóvel – perda de direito decorrente de condução por terceiro sob efeito de álcool. In: Direito dos Seguros, MIRAGEM, Bruno e CARLINI, Angélica (org.), São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 459)

Dessa forma, o principal condutor do veículo, se não for o próprio segurado, equipara-se a ele, o que afasta qualquer caracterização de terceiro eventual, trazendo-lhe, portanto, a obrigação de observar as mesmas condições e cautelas na direção do veículo, para assim não aumentar intencionalmente o risco do objeto contratado.

Bibliografia: Flávio Tartuce.

Escrito por: Flávia T. Ortega