O ranking de inconstitucionalidade dos municípios paulistas, feito pelo Anuário da Justiça desde 2008, inovou nesta edição. Além da classificação das cidades pelo número de ações respondidas, fez a classificação por número de leis em conflito com a Constituição. Isso porque, muitas vezes, uma só ação contesta a constitucionalidade de várias normas.
No geral, a inovação não apresentou diferenças. De cada 100 ações de inconstitucionalidade julgadas pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo 85 foram consideradas procedentes. Da mesma forma, 85% das leis analisadas foram consideradas inconstitucionais; 13% foram julgadas de acordo com a Constituição e em 2% dos casos constatou-se omissão legislativa.
Mas quando se olha para cada município as discrepâncias são notórias. É o caso de Presidente Prudente. Em apenas uma ação direta de inconstitucionalidade, o Ministério Público questionou a constitucionalidade de 95 leis, aprovadas pela Câmara de Vereadores e sancionadas pelos consecutivos prefeitos entre 2001 e 2015. As leis davam nomes a ruas e edifícios públicos do município. Além de usurpar competência exclusiva do Poder Executivo, os vereadores cometeram outro pecado legislativo, que foi o de atribuir a logradouros públicos nomes de pessoas vivas. Levando em conta apenas essa ADI, Presidente Prudente se tornou o líder do ranking de leis inconstitucionais de 2016. Já no ranking de ADIs julgadas procedentes, Presidente Prudente fica apenas em 15º lugar, com seis ações consideradas procedentes e duas improcedentes.
A ampliação dos critérios de classificação não mudou a posição de Sorocaba e de São José do Rio Preto, que ocupam respectivamente a segunda e a terceira posições nos dois rankings, com mais de 40 ações e de 40 leis inconstitucionais cada uma. Com raras exceções, cada ação corresponde a uma lei contestada.
A proliferação de ações, a maioria de iniciativa dos respectivos prefeitos municipais, ocorre em consequência da fúria legislativa dos vereadores. No caso de São José do Rio Preto, apenas nas oito ações julgadas improcedentes não se registrou o vício de iniciativa ou de usurpação de competência. Nas outras 41 ações, os vereadores tomaram a iniciativa de fazer leis que cabiam exclusivamente ao prefeito. O mesmo acontece com os vereadores de Sorocaba. Quase todas as leis levadas ao julgamento do TJ-SP estavam marcadas pelo vício de iniciativa ou pela afronta à separação dos poderes.
A falta de limite dos legisladores não é privilégio dos vereadores dos municípios já citados neste texto. Mais da metade das ações julgadas procedentes pelo Órgão Especial do TJ-SP estava marcada por esse tipo de desvio de função: vereadores fazendo leis que só poderiam ser feitas por iniciativa do Executivo. Como disse o desembargador Amorim Cantuária, ao julgar ADI proposta pelo prefeito de São José do Rio Preto contra lei aprovada pelos vereadores municipais: “Não cabe ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da separação de poderes, ainda que por lei, praticar atos de caráter administrativo próprios do Poder Executivo, cuja atuação privativa na deflagração do processo legislativo está definida no texto constitucional. Essa prática legislativa de invadir a esfera de competência exclusiva do Executivo, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação ultra vires do Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais”.
Em mais de 1/3 das ADIs julgadas procedentes, o vício de iniciativa veio acompanhado de outra falha legislativa, suficiente para tirar a lei do ordenamento jurídico do município: a falta de indicação da fonte de recursos para executar o que a norma propunha. Os vereadores de Guarulhos, terceiro colocado no ranking de municípios que mais responderam a ações de inconstitucionalidade, criaram uma lei que mandou a prefeitura trocar as torneiras convencionais dos prédios públicos do município por torneiras com temporizador. O objetivo poderia ser louvável – economizar água –, mas a lei, além de invadir a área de atuação do prefeito, não dizia de onde sairia o dinheiro para as obras de substituição de torneiras. “Lei que disciplina matéria própria de gestão pública, em ato de administração municipal, cuja iniciativa cabe exclusivamente ao chefe do Executivo. Violação do princípio da separação dos poderes. Ato legislativo impugnado, ademais, que acarreta criação de despesa sem indicar respectiva fonte de custeio”, diz a ementa do acórdão, de relatoria do desembargador Francisco Cascone.
Aparentemente, todo vereador de hoje gostaria de ser o prefeito de amanhã. Por isso, abundam as leis que criam obrigações para o poder público (8% das ADIs analisadas), instituem programas de ação para a administração pública executar (5%), dispõem sobre o planejamento urbano (3%) e dão nome a ruas e edifícios públicos (2%). Por mais surpreendente que possa parecer, dar nome a ruas é um ato de administração e, portanto, de competência do Poder Executivo, como determina o artigo 5º da Constituição do Estado.
Outra tendência comum aos vereadores dos municípios paulistas é a vontade de fazer o bem, não importa como, nem quanto custa. O principal alvo da benemerência dos vereadores costuma ser os servidores públicos municipais: 8% das ações analisadas tratavam de leis que criavam vantagens para os servidores. Outros 2% criam vantagens para grupos específicos de cidadãos, como idosos e pessoas com deficiência física ou mental. Outros 2% de ADIs se referem a leis que revelam a preocupação dos legisladores com o bem-estar de animais domésticos.
Mas nada supera o esforço legislativo dos municípios, votado pelo Legislativo e sancionado pelo Executivo, do que o empenho em criar leis para contratar servidores sem se dar ao trabalho de fazer concurso público, como manda a Constituição. Esse bloco de inconstitucionalidades representa 14% das ações julgadas pelo TJ-SP em 2016. Neste quesito, a palma vai para Novo Horizonte, que teve 27 leis editadas entre 2005 e 2015 contestadas pelo Ministério Público em uma única ação e julgadas inconstitucionais.
“Atribuições que não se revestem da excepcionalidade exigível no nível superior de assessoramento, chefia e direção como funções inerentes aos cargos daquela natureza (cargos comissionados)”, afirmou o desembargador Sérgio Rui na ementa do acórdão.
Fonte: Conjur