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A proposta da reforma da previdência feita pela União pode ser traduzida da seguinte forma: os mais pobres não se aposentarão e, pior, sustentarão a aposentadoria dos mais ricos. Segundo pesquisa da Rede Nossa São Paulo, noticiada pelo Estadão São Paulo, as expectativas de vida nos bairros paulistanos têm gritantes diferenças entre si, variando até em décadas! Enquanto um morador do Alto de Pinheiros vive em média 80 anos, outro, de Cidade Tiradentes, não passa de 54! A idade mínima para aposentadoria proposta é de 65 anos. Ou seja, não se trata apenas de adequar o sistema da Previdência a uma necessidade econômica, mas de uma perversão contra aqueles que a Constituição mais protege.

O que, em tese, motiva a intenção do governo de alterar as regras vigentes sobre aposentadoria é a tendência à inviabilidade econômica – deve-se recordar de que o sistema da previdência deveria ser autossustentável e se manter pelas contribuições a ele destinadas, sem previsão orçamentária complementar.

Há um princípio do direito da seguridade social que dá conta disso, o da preexistência da fonte de custeio total, segundo o qual só pode haver determinado benefício se houver receita anterior.

O sistema da previdência social funciona como uma pirâmide, em que os contribuintes da base sustentam quem está no topo, os aposentados (que por sua vez contribuíram durante muitos anos para chegarem lá).

O que justifica hoje a mudança é o fato de base e topo não estarem mais em uma proporção adequada. Este problema não ocorre só no Brasil. No Chile, por exemplo, em que o sistema previdenciário é privado, está havendo a mesma busca por adequações, de acordo com notícia da Folha de São Paulo.

Com o aumento da expectativa de vida, há mais pessoas no topo para receber valores. Para piorar, houve aumento no desemprego, o que retira contribuintes da base da pirâmide.

Pois bem, é impossível negar que há um problema a ser solucionado. Todos os pareceres convergem a isso, independentemente de orientação política (a ex-Presidente Dilma teria dito, no início do ano, que “o País vai ter que encarar a questão da previdência […]”, de acordo com o G1).

Entretanto, há que se observar um problema flagrante na proposta do Planalto: ela não atende ao princípio da isonomia. Tratamento igualitário não é aquele em que se trata igualmente todo mundo; é aquele em que “se trata desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades.”

Isso é incansavelmente repetido em todas as salas de aula de direito, em todos os períodos da faculdade. Talvez seja um fio de esperança dos professores, que têm assistido a absurdos e mais absurdos de todo lado: STF, STJ, Ministro que não deveria ser Ministro, Presidente que não deveria ser Presidente. Lênio Streck disse outro dia: “defender a legalidade, hoje, é um gesto revolucionário.” São tempos difíceis.

Podemos dizer sem medo de errar que a proposta não atende ao caro princípio da isonomia por uma simples razão: ela considera um aumento médio de expectativa de vida que, conforme a referida pesquisa, não leva em conta os contrastes sociais do País.

Estaríamos regressando ao feudalismo. Só não trago a velha máxima de que o direito é um instrumento de dominação porque vão me chamar de comunista e me jogar na fogueira.

Os protestos são mais que legítimos. Arrisco dizer que o projeto não resistirá às manifestações. Já há 146 propostas de emendas. Vem aí o Frankenstein.

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Escrito por: Vinícios Sampaio

Fonte: Jusbrasil