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Os alimentos gravídicos são aqueles percebidos pela gestante ao longo da gravidez e compreendem os valores suficientes para cobrir despesas adicionais referentes ao período desde a concepção ao parto, inclusive referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internação, medicamentos, tratamentos prescritos pelo profissional de saúde e, ao final, o próprio parto, segundo dicção do art. 1º da Lei 11.804/08.

Trata-se, na verdade, de especificação do mandamento constitucional do art. 229 do dever de assistência dos pais para com os filhos menores. Todavia, a compreensão de que a gestante necessitava de cuidados especiais e demandava uma proteção jurídica específica, para esta e para o nascituro, não era unânime na jurisprudência brasileira antes de 2008, razão pela qual o referido diploma legal veio a preencher uma lacuna axiológica necessária no ordenamento jurídico brasileiro.

Julgados anteriores à Lei 11.804 abordavam a questão dos alimentos devidos ao nascituro com excesso de formalismo, seja alegando a extrema dificuldade de se comprovar a paternidade antes do nascimento ou mesmo, com base no direito processual, alegando a inexistência da angularização processual uma vez que o nascituro ainda não adquiriu personalidade civil, consoante o art. 2º da Lei 10.406/02.

Por outro lado, o próprio art. 2º, que põe a salvo os direitos do nascituro era o fundamento principal das decisões entendendo cabíveis os alimentos à gestante, uma vez que a realização de exames, tratamentos médicos, necessidade de uma alimentação diferenciada são requisitos indispensáveis para a manutenção da vida e da saúde do nascituro.

Havia, assim, uma lacuna axiológica (BOBBIO, Norberto. 1995, p. 209) no micro ordenamento alimentar brasileiro que veio a ser suprimida com promulgação da Lei 11.804/08 que dirimiu conflitos jurisprudenciais existentes que colocavam em risco não apenas gestantes como, sobretudo, os nascituros.

Análise da Lei 11.804/08 – conceitos e inovações

A Lei 11.804/08 veio para garantir uma verba suplementar no período gestacional, garantindo a vida e a saúde da mãe bem como do nascituro. Assim, enquanto a prestação alimentícia visa, primordialmente, suprir as necessidades do alimentando, é razoável afirmarmos que os alimentos gravídicos garantem o sustento do nascituro e da gestante, possuindo caráter alimentar stricto sensu englobando, também, todo o período de pré-natal e necessidades extraordinárias da mãe em virtude da gravidez.

Com o advento da Lei 11.804/08, tem-se uma consagração da dignidade humana em um aspecto mais amplo, abarcando o direito do nascituro, que, apesar de ser tutelado pela Ordem Jurídica pátria vigente, ainda era carente de regulação jurídica no âmbito familiar.

É neste sentido que o art. 2º do diploma legal estatui que:

“Art. 2º. Os alimentos de que trata esta Lei compreenderão os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internação, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes.”

Esta lei reflete uma realidade social em que são comuns as famílias monoparentais, sendo os filhos criados exclusivamente por um dos pais – em geral, a genitora – fruto de relações casuais entre estes. Antes mesmo da instituição da Lei dos alimentos gravídicos, os tribunais pátrios já consideravam legítima a concessão de alimentos à gestante, desde que mostrados indícios suficientes da paternidade, garantindo à gestante os meios adequados para uma gravidez saudável para ela e o nascituro. Neste sentido, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul já emanou o seguinte entendimento em 2003:

“Investigação de paternidade. Alimentos provisórios em favor do nascituro. Possibilidade. Adequação do quantum. 1. Não pairando dúvida acerca do envolvimento sexual entretido pela gestante com o investigado, nem sobre exclusividade sobre esse relacionamento, e havendo necessidade da gestante, justifica-se a concessão de alimentos em favor do nascituro.”

A Lei 11.804/08, embora trate apenas do período gestacional, trouxe uma inovação perspicaz, ao impor a conversão automática em pensão alimentícia ao menor, no momento do nascimento deste.

“Art. 6º. Convencido da existência de indícios de paternidade, o juiz fixará alimentos gravídicos que perdurarão até o nascimento da criança, sopesando as necessidades da parte autora e as possibilidades da parte ré.

Parágrafo único – Após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos ficam convertidos em pensão alimentícia em favor do menor até que uma das partes solicite a sua revisão.”

O parágrafo único do artigo sexto da referida lei evitou que fosse intentada uma nova ação de alimentos, logo após o nascimento com vida da criança que já recebia prestação alimentícia, evitando que a genitora intentasse uma nova ação de alimentos contra o pai da criança, o que, inevitavelmente, acarretaria o não recebimento da verba alimentar durante alguns meses.

A conversão tem cabimento mesmo que o pai não conste no registro de nascimento do recém-nascido e ainda pendente eventual ação de investigação de paternidade. Neste sentido, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro já proferiu o seguinte entendimento:

“Alimentos gravídicos. Nascimento da criança. Ausência de registro pelo indigitado pai. Extinção do feito sem resolução do mérito por perda superveniente do interesse de agir da gestante. Inocorrência. Conversão em pensão alimentícia para o menor. Incidência do parágrafo único do artigo 6º da Lei 11.804/08. “Após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos ficam convertidos em pensão alimentícia em favor do menor até que uma das partes solicite a sua revisão. Provimento do recurso.”

A conversão dos alimentos gravídicos em pensão alimentícia ocorre, portanto, de maneira espontânea, sem necessidade de requerimento por qualquer das partes. Há de se apontar que, apesar de os alimentos gravídicos serem destinados à manutenção dos cuidados extras em decorrência da gravidez – tais como alimentação especial, cuidados médicos, remédios, tratamento psicológico e demais necessidades a critério do médico e do juiz (art. 2º) e a pensão alimentícia ser destinada somente à manutenção do recém-nascido, os Tribunais pátrios vêm manifestando entendimento pela manutenção do valor arbitrado a título de alimentos gravídicos, ressalvada uma mudança no binômio necessidade-possibilidade.

“Civil e Família. Apelação Civil. Ação de Alimentos Gravídicos. Nascimento. Conversão em pensionamento. Observância do binômio necessidade/possibilidade.

(…) 2. Deve ser mantido o percentual da verba alimentar fixada, quando se observa que houve a correta ponderação entre a necessidade reclamada e a possibilidade do reclamado.(…)”

“Agravo de Instrumento. Ação de Alimentos mulher gestante. Decisão que fixou alimentos gravídicos em 01 salário mínimo – Arguição de perda de objeto que se rejeita – Após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos ficam convertidos em pensão alimentícia em favor do menor até que uma das partes solicite a sua revisão. Observância do binômio necessidade-possibilidade, bem como do princípio da razoabilidade, na atual fase dos autos. Ausência de prova a justificar a reforma da decisão. Possibilidade de o agravante demonstrar, ao longo da demanda, situação diversa da atualmente apontada, o que ensejará a redução do quantum arbitrado. Manifesta improcedência do recurso de agravo de instrumento. Aplicação do disposto no art. 557, caput do CPC. Negado seguimento ao recurso.”

Legitimados na ação de alimentos gravídicos

Como fora exposto anteriormente, a Lei 11.804/08 veio tutelar especialmente os direitos do nascituro, garantindo seu desenvolvimento completo e saudável através dos cuidados necessários à gestante. Assim, o nascituro que já gozava de tutela na doação (art. 542 do Código Civil) ou direito a um curador especial, caso os pais estejam impossibilitados de exercer o poder familiar (art. 1779 do Código Civil de 2002), doravante terá direito à prestação alimentícia que será convertida em pensão alimentícia a partir de seu nascimento com vida.

A questão principal é saber se a gestante é legitimada para propor a ação de alimentos gravídicos ou se esta representa o nascituro. Neste ponto, entendemos que assiste ao nascituro capacidade para ser parte, quer no polo passivo quer no polo ativo da demanda. Embora a personalidade civil inicie com o nascimento com vida, a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro, consoante dicção do art. 4º do Código Civil. Neste ponto, a jurisprudência possui entendimento pacífico.[5]

Entretanto, não consideramos errônea a proposição de ação de alimentos gravídicos pela própria gestante. Isto porque os alimentos gravídicos visam à tutela não apenas da vida do nascituro bem como da saúde e integridade física da mãe. Assim, ambos possuem interesse jurídico tutelado pela lei.

O legitimado passivo é o homem indicado pela gestante como pai do nascituro, com indícios de envolvimento sexual com este. É necessário que a gestante indique a “fundamentação mínima para fazer com que o magistrado creia que houve um relacionamento amoro ou sexual entre esta e o Alimentante, utilizando-se, para tanto, de meios de prova como e-mails, cartas, fotos, testemunhas que tenham presenciado o envolvimento afetivo etc.”

Questão que divide doutrina e jurisprudência é a possibilidade de ser requerida a responsabilidade avoenga de prestação alimentar, nos termos do art. 1.698 do Código Civil. Tem-se o conflito, de um lado, do princípio da solidariedade alimentar e da necessidade da prestação alimentícia da gestante e do nascituro e, do outro, a impossibilidade de se firmar a paternidade, inexistindo, portanto, ligação de parentesco que justifique a responsabilidade subsidiária dos avós ou demais parentes com condições de prestar os alimentos.

Entendemos que a responsabilidade avoenga na prestação de alimentos gravídicos deve seguir os mesmos requisitos observados na ação de alimentos convencional, quais sejam, a prova da impossibilidade de pagamento pelos pais bem como a possibilidade de pagamento pelos responsáveis subsidiários, uma vez que, substancialmente, não há distinção entre os alimentos gravídicos e a pensão alimentícia posto que o bem da vida tutelado em ambos os casos será sempre a subsistência do alimentando. Analisando o tema em monografia apresentada a Curso de Preparação à Magistratura do Paraná, Jéssica Hiesl de Oliveira entende ser cabível a obrigação avoenga, desde que preenchidos alguns requisitos que, a despeito de não estarem previstos em lei, justificam-se pelo critério da proporcionalidade:

“(…) há sim possibilidade de pleitear os alimentos gravídicos avoengos como aplicação analógica do Código Civil, com base no previsto no art. 4º da Lei de Introdução às Normas do direito brasileiro, tendo em vista que mesmo não prevista como aplicação suplementar, como foi feito com o Código de Processo Civil e a Lei de Alimentos, o que deve prevalecer é a preocupação com a futura prole, no entanto, como exceção e, se respeitados alguns requisitos: primeiro quando o suposto pai se encontrar entre os casos de paternidade presumida, previstos no art. 1.597 do Código Civil, e estiver ausente e sem condições financeiras e segundo quando este pai for falecido, caso contrário não seria possível os avós figurarem no polo passivo da ação.”

Competência

A Lei 11.804 previa, em seu art. 3º, o foro do domicílio do réu como competente para o julgamento das ações que visam a requerer esta prestação alimentar. Este artigo sofreu sanção presidencial pois contrastava frontalmente a regra geral de competência que é o domicílio do alimentando. As razões do veto expõem com acerto esta dissonância: “O artigo em questão desconsiderou a especial condição da gestante e atribuiu a ela o ônus de ajuizar a ação de alimentos gravídicos na sede do domicílio do réu, que nenhuma condição especial vivencia, o que contraria diversos diplomas normativos que dispõem sobre a fixação da competência.”

Assim, permanece a regra geral do domicílio da autora da ação como competente, embora esta possa ajuizar a ação no foro do domicílio do réu, uma vez que a regra do art. 100, II é de competência territorial relativa.[9]

Aspectos procedimentais da Lei 11.804/08

Proposta a ação, o magistrado citará o requerido para, querendo, apresentar resposta no exíguo prazo de cinco dias, podendo, desde logo, impor o pagamento dos alimentos gravídicos. A Lei 11.804 não prevê, diferentemente da Lei 5.478/68, prova pré-constituída da paternidade, bastando indícios suficientes para convencer o magistrado da paternidade (Art. 6º).

A autora poderá pedir que sejam antecipados os efeitos da tutela (art. 273, Código de Processo Civil), requerendo sejam concedidos os alimentos gravídicos em momento anterior à sentença. Embora a lei não exija farto cabedal probatório, é recomendada prudência ao conceder o pleito, sobretudo dada a impossibilidade de reversão ao status quo ante da obrigação alimentar. Neste sentido, Cahali leciona que:

“Embora o legislador deixe transparecer certa liberdade, ao referir-se que bastaria para a fixação de alimentos gravídicos que esteja o juiz convencido da existência de indícios da paternidade (art. 6º), recomenda a prudência que tais indícios tenham alguma consistência, sejam seguros e veemente, especialmente diante do fato de a contribuição prestada pela parte ré ser considerada não repetível ou reembolsável. Seria leviandade pretender que o juiz deva satisfazer-se com uma cognição superficial”[10]

O art. 8º da Lei, vetado pela Presidente da República, havia criado regra que, praticamente, esvaziaria as ações de alimentos gravídicos, afirmando que, havendo oposição à paternidade, a procedência do pedido autoral dependeria de realização de exame pericial pertinente.

Ora, impor à gestante a realização de exame de DNA intra uterino, sobretudo em casos de Justiça Gratuita, quando o exame será custeado pelo Estado, equivale a negar os alimentos gravídicos, pois os resultados estariam disponíveis depois do nascimento da criança. Desta feita, parece-nos correto o veto ao art. 8º da Lei.

A decisão liminar que conceder ou negar os alimentos gravídicos comportará a interposição de Agravo de Instrumento, uma vez presentes os requisitos previstos pelo art. 522 do Código de Processo Civil.

Os alimentos fixados em sentença ou em momento anterior retroagirão à data da citação.

O nascimento da criança não ocasionará a perda do interesse de agir da gestante, sendo os alimentos gravídicos convertidos em pensão alimentícia, nos termos do art. 6º da Lei 11.804. Mesmo que o processo ainda esteja em andamento e não tenha sido proferida ainda decisão acerca dos alimentos gravídicos, é de se dar continuidade ao processo, em atenção aos princípios da economia processual, da razoável duração do processo bem como em virtude da tangibilidade entre os ritos da Lei 11.804/08 e da Lei 5.478/68.

Conclusão

A Lei 11.804/08 veio a consolidar posição jurisprudencial já adotada por parte dos tribunais pátrios, ao entender cabível a concessão de alimentos à gestante, dada sua condição especial bem como aos cuidados necessários ao filho que virá a nascer.

Assim, o supracitado dispositivo legal permitiu um maior cuidado à mãe e ao nascituro bem como uma maior responsabilidade do pai que não poderá mais se escusar de prover a atenção necessária ao bom desenvolvimento fetal. Por outro lado, a Lei, ao retirar empecilhos à concessão dos alimentos bem como simplificar o rito procedimental, deve ser aplicada com parcimônia e cuidado pelo magistrado, para que não seja usada com excesso por mães com interesses escusos.

Após o nascimento com vida da criança, a Lei 11.804/08, atenta à transitoriedade do seu âmbito de aplicação, prevê a automática conversão em pensão alimentícia dos alimentos gravídicos, garantindo a manutenção da obrigação de alimentar do devedor bem como a subsistência do menor. Fonte: âmbito jurídico.

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Fonte: Jusbrasil