Escolha uma Página

Um professor de uma escola particular em Recife (PE) resolveu ministrar uma aula sobre o nazismo de forma diferente: ambientou o espaço e o ornamentou com bandeiras contendo suásticas e símbolos nazistas. Na rede social do colégio, muitas críticas, mas uma, em especial, chamou-me a atenção: o professor cometeu crime de divulgação do nazismo (Lei 7.716/89). Verdade?

Antes de falar especificamente do possível crime em questão, é importante explorar o conceito histórico em que se deu a criação da Lei de Crimes de Preconceito ou Discriminação, a Lei Nº 7.716/89. A Constituição Federal arrola, no inciso IV de seu art. 3º, entre os objetivos fundamentais da República: “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. A seu turno, o inciso XLII do art. 5º estabelece que: “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”. Também constituem fundamentos da incriminação os arts. 215 e 216 da CF, que tratam da proteção das manifestações culturais das etnias que formaram o povo brasileiro.


No plano internacional, a igualdade racial é preconizada pelo art. 2º da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Mais especificamente ao firmar a Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (Decreto n. 65.810/69), o Brasil se comprometeu:

Art. IV, a

A declarar delitos puníveis por lei, qualquer difusão de ideias baseadas na superioridade ou ódio raciais, qualquer incitamento à discriminação racial, assim como quaisquer atos de violência ou provocação a tais atos, dirigidos contra qualquer raça ou qualquer grupo de pessoas de outra cor ou de outra origem étnica, como também qualquer assistência prestada a atividades racistas, inclusive seu financiamento.

Por óbvio que essa lei trouxe de pronto uma resposta aos incisos relacionados com os objetivos fundamentais e o compromisso com a igualdade e os direitos humanos. Além disso, como forma de abranger também a vedação a outras práticas que incitem o ódio e a violência, o legislador incluiu o crime de divulgação do nazismo, previsto no art. 20:

Art. 20

§ 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo. Pena — reclusão de dois a cinco anos e multa.

§ 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza:Pena — reclusão de dois a cinco anos e multa.

Pode-se observar que a redação do artigo retrata a existência de um delito específico relacionado ao nazismo, ou seja, a ditadura implementada pelo Partido Nacional Socialista alemão em meados do século passado, que culminou com a deflagração da Segunda Guerra Mundial e o holocausto. Seu horror justifica-se pela dimensão das atrocidades cometidas naquele período histórico, especialmente contra os judeus.

Objeto do crime são os símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada. A redação não é feliz, pois a proibição se limita à utilização da cruz suástica ou gamada, mas não diz da divulgação do ideário nazista ou de outros símbolos, como a imagem de Hitler ou a águia nazista (SANTOS, 2001).

O tipo subjetivo do artigo é o dolo, aliado ao especial fim de agir, de modo que só há crime quando a conduta é praticada para fins de divulgação do nazismo. Não há crime, portanto, se os elementos gráficos são utilizados para fins de narrativa histórica, bem como para fins artísticos (GONÇALVES, 2016), como ocorreu no caso em questão. Não há elemento algum, inclusive na postagem, que faça concluir que houve divulgação do nazismo.

Além do mais, enquanto não aprovado o Projeto de Lei do Senado 193/2016 (Projeto Escola sem Partido), o educador tem a liberdade de ensinar, conforme preconiza a Lei de Diretrizes e Bases da Educacao Nacional (Lei nº 9.394/96):

Art. 3º

O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber;III – pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas;

Como advogado, e tendo o direito digital como minha principal área, não consigo vislumbrar, como já demonstrado acima, o cometimento de delito algum. Entrementes, também é fácil constatar que, em tempos de pós-verdade (o que vale são mais as emoções do que os fatos em si), não foi uma ação tão acertada por parte da equipe de social media da instituição divulgar essa aula nas redes sociais, afinal, há mais reações negativas à postagem do que likes.

Referências bibliográficas:

  • GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Legislação penal especial. 2. Ed. – São Paulo:Saraiva, 2016.
  • SANTOS, Christiano Jorge. Crimes de preconceito e de discriminação: análise jurídico-penal da Lei n.7716/89 e aspectos correlatos. São Paulo: Max Limonad, 2001.

Escrito por: Denes Menezes

Fonte: Jusbrasil