Com o preceito primário mais simples de todos os crimes, a definição que o Código Penal dá ao delito em estudo é, literalmente: “Matar alguém”.
“O homicídio é o tipo central dos crimes contra a vida. É o ponto culminante na orografia dos crimes. É o crime por excelência.” Nélson Hungria
Al Pacino em Scarface, ao mostrar (ou tentar…) quem manda em Miami age em legítima defesa durante toda a cena final.
I – Legítima defesa: É o suprassumo das excludentes de ilicitude e a mais famosa, praticamente todas as pessoas conhecem, mesmo que parcialmente. Emerge no artigo 25 do Código Penal, que diz, ipsis litteris:
Art. 25 – Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.
O artigo é categórico, a legítima defesa é uma conduta que se utiliza apenas em último caso, para se proteger ou proteger alguém de injusta agressão (de qualquer natureza) atual ou iminente, usando meios necessários e com moderação. O ato de matar para defender-se (ou defender alguém) não poderá ser considerado infração penal. Porém, não haverá o que se falar em legítima defesa, por exemplo, quando um policial atira contra alguém que estava a praticar um roubo, em um ponto não vital do corpo, e mesmo depois deste já estar contido e não ter mais condições de reagir, se aproxima e dispara mais três tiros e o mata. Será crime, pois, não houve moderação.
II – Legítima defesa putativa: É uma variável da legítima defesa, todavia, aqui todas as circunstâncias da excludente existem, mas apenas na mente do agente. É o exemplo clássico do homem que, ao ver seu desafeto levar a mão ao bolso, atira e o mata. Contudo, nota posteriormente que aquele não iria sacar uma arma e sim um celular. Indubitavelmente é um caso que deve ser analisado de forma cautelosa, pois, necessita-se aferir se a situação era razoável e proporcional para que o indivíduo sofresse um “erro de cálculo” e acreditasse, de fato, que havia algum tipo de perigo real. Se a análise concluir-se positiva, não haverá delito.
III – Estado de necessidade: Consta no art. 24 do Código Penal e em seus parágrafos § 1º e § 2º.
Art. 24 – Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.
Em suma, para haver estado de necessidade exige-se a presença de 4 pontos fundamentais, que são:
- Se a ação é para salvar de perigo atual um direito próprio ou alheio.
- Um perigo atual não provocado pela vontade do agente.
- Que não poderia evitar de outra forma.
- Cujo sacrifício desse direito, naquelas circunstâncias, não era razoável de se exigir.
Poder-se-ia ilustrar, in exemplis, uma situação de queda de um avião, onde há apenas um paraquedas e o piloto mata outrem para ficar com o objeto e salvar-se. Aqui estão presentes todos os requisitos da excludente, pois, o ato foi para salvar direito próprio de perigo atual (1), não provocado por sua vontade (2), que não poderia ser feito de outra forma (3) e não era razoável exigir que o piloto agisse de outra maneira (4). Não haveria delito.
§ 1º – Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo.
Embora o parágrafo pareça impositor, essa regra é relativizada, ela existe apenas para que aqueles que tem dever legal, como pais, policiais, bombeiros não se abstenham de sua responsabilidade ao menor sinal de perigo. É óbvio que a norma penal jamais obrigaria atos de heroísmo irracional, como enfrentar sozinho um incêndio ou ações similares.
§ 2º – Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços.
Depreende-se que se o sacrifício for razoável a pena poderá ser reduzida a depender do caso. Neste caso, haverá crime com pena atenuada.
IV – Perdão judicial: É uma rara comiseração do Estado.
§ 5º – Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as conseqüências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária.
O perdão judicial não é uma excludente de ilicitude, mas é uma forma da lei penal demonstrar clemência diante de um caso de homicídio culposo. O crime existe, o que não existirá é a punição do Direito Penal. À medida que as consequências do delito já puniram o autor, o Estado não deve punir novamente. A função do Direito Penal é estabelecer penas justas, seria um ataque ao princípio da proporcionalidade penalizar alguém que já sofreu o necessário, a grosso modo, até incorreria em bis in idem. O exemplo excelso do perdão judicial no homicídio culposo é o da mãe que, ao colocar o carro na garagem, atropela o filho menor sem perceber.
V – Estrito cumprimento do dever legal: Algumas vezes a lei ou determinação judicial obriga os agentes públicos (e, raramente, até particulares) a cumprirem ações em nome do Estado, ações estas que muitas vezes violam direitos e seriam consideradas criminosas, mas não são por terem sido perpetradas em função dos deveres legais. Estrito denota um ato nos limites do dever, se ultrapassá-los, como em todas as excludentes, caracterizará excesso e, consequentemente, ilícito penal. Pode-se citar três situações em que se mata em sob égide da excludente e não será infração penal:
- Fuzilamento do condenado pelo executor, condenado à pena de morte.
- Soldado que mata inimigo no campo de batalha.
- Piloto da FAB que destrói aeronave que transporta drogas dentro do território nacional, matando todos os que se encontrem em seu interior. O art. 303 do Código Brasileiro da Aeronáutica prevê a possibilidade de destruição de aeronaves que cometam as infrações citadas no Código e que ignorem todos procedimentos e as tentativas de contato. A medida tem como principal alvo aeronaves que transportem drogas, armas ou terroristas.
Há autores que veem o Decreto 5.144/2004 que adicionou os procedimentos e a Lei 9.614/1998 que modificou o art. 303 do Código Brasileiro da Aeronáutica como inconstitucionais, contudo estes continuam a vigorar.
VI – Exercício regular de direito: É a prática de uma conduta permitida por lei. O que é permitido jamais poderá ser infração penal, os exemplos são vários:
- O aborto, quando a gravidez resulte de estupro, havendo o consentimento da gestante.
- O tratamento médico e a intervenção cirúrgica, quando admitidos pelo ordenamento jurídico.
- Violência desportiva em esportes de contato como boxe, muay thai, jiu-jitsu…
Em todas as práticas supracitadas ocorrem lesões, pois, são inevitáveis e permitidas pelo ordenamento jurídico. Apesar de ocorrerem lesões corporais, estas jamais poderão ser puníveis. Conforme leciona o insigne Damásio de Jesus, enfatizando nos esportes de contato como o boxe, muitas vezes os lutadores saem com lesões corporais graves, sobretudo no século passado quando as lutas eram mais violentas e com luvas mais pesadas, era trivial que os lutadores saíssem com fraturas e até lesões cerebrais. Já ocorreram casos em que o lutador morreu no ringue e até hoje isso acontece, porém, é mais uma hipótese em que se mata e não é crime, uma vez que a conduta é lícita e dentro dos limites das regras desportivas. Todavia, pune-se a ação desnecessária ou produzida além das normas do esporte.
Ainda que a postagem tenha sido exclusivamente sobre homicídio, as excludentes supracitadas podem ser aplicadas em todas (ou quase) as infrações penais. Já o perdão judicial, como não é uma excludente, só é aplicável quando previsto expressamente no tipo penal. Para não alongar demais o artigo, as demais hipóteses estarão num post futuro.
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Escrito por: João Antonio Rocha
Fonte: Jusbrasil
Excelente artigo. Melhorou meus conhecimentos.