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O Novo Código de Processo Civil (Novo CPC), por si só, impõe dificuldades interpretativas e práticas decorrentes da ruptura com o velho sistema e superação do apego ao passado.

Ainda que se entoe como mantra “novas diretrizes em tempos de Novo CPC”, tais alterações paradigmáticas não ocorrem imediatamente, tampouco sem desconfortos e dificuldades.

Não é fácil lidar com o novo.

Dito isso, nada mais inoportuno do que uma alteração legislativa com impacto sobre o Novo CPC, principalmente quando envolvido ponto capital do novo procedimento comum estabelecido, precisamente a fase de mediação inserta no umbral do processo.

Observe-se, a alteração ritual mais significativa no procedimento estratificado no Novo CPC, frente ao velho procedimento ordinário, é a existência da audiência de mediação ou conciliação em sequência à apresentação da inicial pelo autor e antecedendo a resposta do réu (artigo 334 do Novo CPC)[1].

O Novo Código pretende conduzir inicialmente as partes para a solução consensual da controvérsia, para depois, frustrada a possibilidade de autocomposição, passar-se propriamente ao momento da resposta.

Para tanto, o Código estruturou tal fase em capítulo próprio (Capítulo V do Título I do Livro I da Parte Especial), regrando, aliás, a função de conciliador e mediador entre os auxiliares da justiça (Seção V do Capítulo III do Título IV do Livro III da Parte Geral).

Porém, essa disciplina do Código restou entrecortada pela lei de mediação (no 13.140, de 26 de junho de 2015), a qual, por essas contingências do nosso insurgente e prodigioso processo legislativo, foi aprovada sem considerar a novel disciplinada da mediação estatuída, meses antes, pelo Novo CPC (no 13.105, de 16 de março de 2015).

Para tornar o quadro um pouco mais caótico, a lei de mediação, aprovada posteriormente ao Novo CPC, entrou em vigor antes (dezembro de 2015) daquele (março de 2016[2]).

Logo, os dispositivos da Lei de Mediação serão aplicados no Velho Processo (atual Código de Processo Civil de 1973), entre eles, a audiência de mediação obrigatória (artigo 27).

Nada obstante, a grande questão está em como se relaciona a nova Lei de Mediação com o Novo CPC.

Como resolver esse conflito nomológico, a questão da intertemporalidade das leis, será um dos primeiros desafios impostos com o Novo CPC.

Noutras palavras, teremos que “mediar”, melhor “conciliar”[3], o conflito entre o Novo CPC e a Lei de Mediação, conciliando suas disciplinas no tocante à atividade de mediação.

KELSEN[4] corretamente consignava que a derrogação de uma norma por outra não é um primado da lógica (mas sim jurídico-positivo), já que decorre de uma terceira norma que determina, no caso de conflito, qual das normas prevalecerá. Via de regra, essa terceira norma que dirime o conflito é a velha e recém rebatizada Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (LINDB)[5].

Tem-se na LINDB que: “A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.” (artigo 2o, § 2o).

No ponto, a ideia subjacente é que a lei especial posterior subtrai, por assim dizer, da norma anterior geral uma parte de sua matéria, para submetê-la a uma regulamentação diversa. Passa-se, no tocante à matéria elegida, de regulamentação geral para mais específica (do genus para species). Pressupõe o legislador que esse desdobramento representa um passo adiante no ordenamento jurídico, seu desenvolvimento.

Acertada, no particular, a observação de BOBBIO[6], de que a situação antinômica, decorrente da ocorrência sucessiva de lei geral e lei especial, importa numa antinomia total-parcial. A lei geral é parcialmente recortada ou fatiada. Não ocorre a supressão total da lei geral, mas apenas da parte em que conflite com a lei especial. Aqui a revogação da lei geral se dá porque existe uma antinomia.

A partir disso, temos que a parte de mediação do Novo CPC está revogado pela Lei de Mediação (posterior e especial), no que as disciplinas não sejam conciliáveis, ilação que tem reflexos absolutamente substanciais, tudo a demandar a atuação do intérprete na conciliação dos diplomas normativos[7].

Para ficarmos em questão significativa, basta cogitarmos da situação envolvendo a audiência de conciliação e mediação estipulada no artigo 334 do Novo CPC.

No ponto, o Novo CPC permite que a audiência do artigo 334 do Novo CPC não se realize mediante consenso das partes quanto ao desinteresse no consenso, manifestado antes da data aprazada para o ato (§§ 4o e 5o). É o consenso quanto ao dissenso.

Pois bem, no tocante à mediação, a disposição do Novo CPC é natimorta, pois a audiência de mediação, frente ao disposto na Lei de Mediação, não pode ser dispensada pelas partes, como se afere da leitura conjugada dos seus artigos 3o e 27.

Vejam, a possibilidade de dispensa da audiência de mediação pelas partes restou suprimida pela nova Lei de Mediação, no que esta torna obrigatória sua realização (artigos 3o e 27)

Pelo Novo CPC, ao receber a petição inicial, o magistrado, exercendo o juízo de admissibilidade positivo, designará audiência de conciliação ou mediação, observados os parâmetros descrito no artigo 164, § 2o.

Designada que seja audiência de mediação, as partes não poderão obstar sua realização mediante consenso, haja vista que a disciplina do inciso I do § 4o do artigo 334 não se aplica à mediação, vez que subtraída da disciplina geral do Código pela existência de diploma especial e posterior (Lei de Mediação).

Evidentemente, esse fatiamento do Novo CPC pela Lei de Mediação acentua a diferença entre os institutos da conciliação e da mediação, submetendo-os a regramento processual diverso, quiçá com perda de sistematicidade do ordenamento processual. Isso já se fazia sensível no Novo CPC, quando, por exemplo, estabelece como ato atentatório da justiça o não comparecimento na audiência de conciliação, silenciando quanto à mediação (artigo 334, 8o).

Portanto, ainda que não fosse desejável, a Lei de Mediação alterou o Novo CPC, no concernente ao tema da mediação, relegando à desvalia as regras do Código quando incompatíveis com a Lei de Mediação.

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Escrito por: Zulmar Duarte

Fonte: Jusbrasil