Uma das perguntas mais comuns feitas para os advogados é: o que é essa tal de revelia?
Tão frequente quanto é a pergunta: se eu entrar com o processo e a outra parte não aparecer na audiência ou não se defender, eu ganho?
Essas dúvidas são comuns para quem não é da área e muitos advogados, com o intuito de “simplificar” uma explicação, acabam dando explicações erradas.
Me lembro de muitos anos atrás, ainda quando era estudante de Direito, ter acompanhado uma audiência trabalhista em que o empregado processou o patrão e esse não compareceu. Na minha frente, o advogado assim declarou ao seu cliente: ele não apareceu, significa que a gente ganhou.
Será mesmo?
O não comparecimento do réu nos processos civil e trabalhista gera uma presunção de que os fatos narrados pelo autor na petição inicial são verdadeiros. Só isso.
E essa presunção não é nem mesmo absoluta. Ou seja, alegar fatos loucos apenas com a expectativa de que não sejam contestados não fará com que a mentira se torne verdade.
Mas, mais importante ainda é saber que o fato de ser verdade não cria um direito a quem está alegando. A revelia não significa, como havia dito o advogado ao seu cliente, que “a gente ganhou”.
Apesar de ser considerado verdade, certos fatos podem não possuir relevância jurídica para induzir à conclusão que o autor deseja. Vou dar um exemplo bastante claro, extraído de um caso real.
Certa vez, um músico erudito processou um jornalista porque, em sua coluna, havia dito que o tal músico era “feio”. Para o músico, isso era uma ofensa, ele se sentiu abalado emocionalmente e pleiteou em juízo uma indenização.
O jornalista não contestou a ação e isso ocasionou o que dissemos acima: revelia.
Com isso, presumiu-se como verdadeiro o fato de que o músico fora mesmo chamado de feio pelo jornalista. Significa que ele ganhou?
Não. O juiz, mesmo admitindo como verdadeiro o fato de o músico ter sido chamado de “feio”, entendeu que isso não era ofensa e nem seria capaz de gerar abalo moral.
Como conclusão, apesar de os fatos serem tidos como verdade, não, nós não ganhamos o processo, doutor.
De qualquer modo, isso não é uma apologia da revelia e nem devem os leitores entenderem que “se defender em um processo judicial nem é tão importante assim”, afinal, o que se julga, na verdade, são os fatos.
Se defender acaba sendo tão mais importante em casos quase ganhos que, por serem negligenciados e não defendidos, acabam resultando em grande derrota.
Como exemplo, cito situação real de uma clínica de odontologia que foi processada por suposto defeito na prestação de serviço. Em um implante, de acordo com a narração da autora, houve negligência que ocasionou desprendimento dos implantes, além de infecção, sinusite crônica e perda de dentes.
A clínica não se defendeu, foi julgada à revelia e obrigada a pagar cerca de R$ 15 mil reais à paciente.
Acontece que nesses casos vigora a responsabilidade subjetiva, ou seja, o dever de o paciente provar que a clínica agiu com infração a normas éticas, imprudência, negligência ou imperícia.
Além disso, para constatação da existência desses fatos, provavelmente seria necessário se recorrer a perícia. O caso foi julgado no Juizado Especial, instância que não admite a realização de prova pericial, dada a sua complexidade além do que foram projetados os juizados especiais.
Assim, neste caso, a revelia fez com que a alegação da autora virasse verdadeiro fato para o processo e, tendo em vista que suas alegações eram verossímeis, acabou por, efetivamente, vencer o processo.
A clínica, por outro lado, mesmo possuindo uma grande amplitude de defesa, ao abrir mão desse direito, entregou o resultado para a adversária.
E, dessa vez, sim, nós ganhamos o processo, doutor.
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Escrito por: Bruno Barchi Muniz
Fonte: Jusbrasil