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A Lei nº. 13.429 de 31 de março de 2017, a Lei de Terceirização é responsável hoje por promover alterações significativas na Lei nº. 6.019/74 (Lei de Contratos Temporários) e nas relações de trabalho que envolvem empresas que terceirizam serviços e obviamente dos empregados que prestam esses serviços não só na esfera privada, mas também na esfera pública.

Sendo assim, é importante a discussão sobre o real impacto da Lei de Terceirização no âmbito da Administração Pública e o que poderá de fato mudar em relação às suas atividades e das pessoas que estarão habilitadas a desenvolvê-las e a forma de ingresso junto à Administração para prestação desse serviço.

Uma das principais mudanças trazidas pela Lei de Terceirização é a possibilidade das empresas que contratam os serviços é de terceirizar as atividades-fim da empresa, assim, por exemplo uma Agência de Publicidade poderá contratar publicitários de uma empresa que tem como um dos seus escopos fornecer profissionais da área para elaborar uma campanha de uma determinada marca.

Esse nos parece um exemplo muito simples de ser visualizado, principalmente nos casos em que as empresas privadas estão envolvidas, mas e nos casos dos contratos realizados com a Administração Pública? Será que de fato será possível terceirizar a atividade-fim do Estado? Como se dará o exercício das funções atinentes àquele órgão por um prestador de serviço o qual será contratado para esta finalidade?

Ao analisar o que significa atividade-fim, temos como aquela que é o objetivo principal da pessoa jurídica, portanto, é a atividade que dá significado e razão de existir a mesma.

Nesse ínterim podemos aferir o seguinte do art. 9º, § 3º da Lei nº. 6.019/74, alterada pela Lei de Terceirização nº. 13.429/17

“§ 3o O contrato de trabalho temporário pode versar sobre o desenvolvimento de atividades-meio e atividades-fim a serem executadas na empresa tomadora de serviços.”

A Lei de Terceirização, faculta a pessoa jurídica contratar empresas prestadoras de serviço para realizar as suas atividades principais. Nesse contexto enfrentamos a grande questão: Se a Administração Pública é pessoa jurídica, logo a ela também será facultada a possibilidade de terceirizar as suas atividades, assim, tanto os servidores concursados, quanto os servidores temporários ingressos pelo Regime de Direito Administrativo – REDA poderão ser substituídos por prestadores de serviços terceirizados.

Será mesmo? É o fim dos concursos públicos e dos processos seletivos? Será que a Lei de Terceirização veio como uma solução para corrigir a aberração jurídica dos contratos de Regime Especial de Direito Administrativo?

Receio que não, meus caros! E temos algumas razões para sustentar essa opinião

Lei de Terceirização, Constituição Federal e o ingresso no Serviço Público.

A Lei de Terceirização de fato permite que o tomador de serviços contrate empresas como prestadoras de serviços para execução de sua atividade fim, porém o art..37, II da Constituição Federal diz o seguinte:

Art. 37 (…)

II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.

Logo, temos aqui o nosso primeiro entrave.

Sabemos que a Lei de Terceirização trata-se de lei infraconstitucional, o que significa que ela não pode se sobrepor à Constituição. Então se o exercício da função pública, ressalvadas hipóteses do próprio inciso, só poderá ser realizada mediante aprovação em concurso, os prestadores de serviços não poderiam substituir os servidores efetivos e este dispositivo não seria aplicável à Administração Pública por conta dessa previsão legal

Contudo, se a terceirização das atividades-meio passaram a ser permitidas pela legislação, logo a terceirização das atividades-fim do Estado não seria um caminho natural, já que a Lei de Terceirização passou a permitir essa modalidade de prestação de serviço?

E quanto ao REDA, considerando que trata-se de serviço temporário, voltado para atender as demandas emergenciais do serviço público, que hoje tornou-se regra e não exceção, a Lei de Terceirização também não seria uma forma de regularizar essa situação?

Dai, surge o nosso segundo entrave, pois tudo isso perpassa pela vinculação das atividades exercidas por estes servidores junto a Administração Pública, encontrando, inclusive óbices na própria Lei de Terceirização.

Limites no poder de contratar e vedações da Lei de Terceirização.

O Regime de Direito Administrativo Especial – REDA, encontra guarida no art. 37, IX da Constituição Federal de 1988.

“Art. 37 (…)

IX – a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;”

Nos casos dos contratos por tempo determinado firmados com a União, está regulamentada pela Lei nº. 8.745 de 09 de dezembro de 1993.

Entretanto, tornou-se uma anomalia jurídica, pois União, Estados e Municípios passaram a adotar esse regime excepcional de contratação como regra, vide a quantidade de processos seletivos em todas as esferas da Administração Pública na tentativa de driblar a obrigatoriedade de contratação de servidores através de vagas de provimento efetivo, visando, principalmente, a redução de custos.

Logo, prima facie, a Lei de Terceirização, pelo menos nesse aspecto, apresenta-se como solução prática e regulamentada para permitir as contratações de prestadores de serviço com economia e sem maiores responsabilidades do Poder Público, sanando assim as questões orçamentárias e de recursos humanos.

Porém, a própria lei, ainda que preveja a possibilidade de contratação da atividade-fim, faz uma importante ressalva, descaracterizando a ideia de que a Administração Pública poderá ser tomadora desse tipo de serviço.

Vejamos o que dispõe o artigo 4º-A acrescentado pela Lei nº.13.429/17 à Lei nº. 6.019/74.

“Art. 4º-A. Empresa prestadora de serviços a terceiros é a pessoa jurídica de direito privado destinada a prestar à contratante serviços determinados e específicos.

§ 1o A empresa prestadora de serviços contrata, remunera e dirige o trabalho realizado por seus trabalhadores, ou subcontrata outras empresas para realização desses serviços.

§ 2o Não se configura vínculo empregatício entre os trabalhadores, ou sócios das empresas prestadoras de serviços, qualquer que seja o seu ramo, e a empresa contratante.”

Para configuração do vínculo empregatício entre empresa e trabalhador de acordo com a legislação trabalhista é necessário o preenchimento de alguns requisitos, tais como pessoalidade, habitualidade, onerosidade e subordinação, podemos inclusive perceber esses requisitos pela interpretação do art. 3º da CLT, a qual poderá ser utilizado nas relações.

E como esses requisitos, ou pelo menos parte dele seriam óbice para contratação de empresas prestadoras de serviço pela Administração para execução da sua atividade-fim, principalmente no que tange aos servidores REDA?

O Poder Público já terceiriza, inclusive amparado na legislação vigente àquelas atividades que não estão relacionadas a sua finalidade principal, a exemplo de serviços de apoio, como informática, vigilância, limpeza, além disso, também é possível guardada certas proporções que empresas sejam contratadas para que possam realizar serviços de acompanhamento e fiscalização.

Porém, a atividade-fim do serviço público está basicamente voltada para execução, planejamento e gestão. Por mais que Estado tenha uma política de descentralização dos serviços, exige relação direta com o servidor responsável pela sua execução, implicando em pessoalidade e subordinação, ainda que o serviço público possua legislação própria e não se submeta à Consolidação das Leis Trabalhistas, a inobservância desses requisitos pela empresa prestadora de serviço, torna inviável a sua contratação pela Administração Pública.

Não há razoabilidade, tão pouco moralidade ou legalidade, princípios norteadores da Administração Pública em delegar e terceirizar a execução das suas atividades principais a trabalhadores ainda que qualificados, por um período de tempo significativamente curto e sem a possibilidade de dirigir e conduzir esse trabalho. Além de ineficiente, é temerário, pois compromete, inclusive a qualidade do serviço prestado.

Fazendo um breve comparativo é como entregar todo seu salário do mês ao seu empregado (a) doméstico (a) ou secretário (a) para que ele (a) cuide de toda gerência financeira da sua vida, ou seja, é entregar a sua responsabilidade aquele que por mais qualificado que seja, não tem a competência para tal atividade.

Além disso na prática, terceirizar a atividade-fim do Estado, significa que ainda que todas as atividades do Poder Público sejam terceirizadas, deveres comuns à relação de trabalho, tais como pontualidade, hierarquia ou submissão e supervisão das atividades executadas pelos trabalhadores terceirizados deverão ser cobrados pelo superior direto e responsável pela repartição pública.

Em hipótese alguma poderá ser exigido do profissional terceirizado responsável pela execução do serviço o mesmo que seria exigido a um servidor público efetivo ou servidor temporário contratado pelo REDA.

Como ficamos, então?

Não se trata de uma questão de qualificação, mas de competência para o exercício da função pública originária da Administração. Não há como conceber que um servidor temporário que não guarde relação direta e não se sujeite ao gerenciamento da Administração execute as suas atividades principais.

É inviável imaginar na prática essas situações. Como um Presidente da Comissão de Licitação poderá se dirigir a um funcionário terceirizado para que ele elabore um edital ou o ajude a conduzir um procedimento licitatório? Como se dará a elaboração de projetos, a gestão dos contratos, a realização das compras, a execução de relatórios, elaboração de ofícios, pareceres, despachos? Difícil imaginar na prática a terceirização dessas funções sem que elas não configurem vínculo e não passem pelo crivo ou gerência da própria Administração sem intermediadores.

Isso, sem contar a dificuldade de apuração e sanções nos casos de abusos e excessos por parte desses trabalhadores.

Além da inobservância aos princípios basilares da Administração Pública, não obstante a flagrante inconstitucionalidade da Lei de Terceirização quanto a atividade-fim em relação a Administração Pública, sendo este ponto muito questionado, inclusive junto ao Supremo Tribunal Federal, na ordem prática a adoção de tal conduta vai de encontro também a sua própria dinâmica de funcionamento, pois para adequar-se à lei a União, Estados e Municípios se descaracterizará e delegará a sua gestão e execução a empresas que serão contratadas por um lapso temporal muito curto que justifique todo essa mudança, carecendo ainda de motivação para tal desiderato, conduta vedada nos atos administrativos.

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Escrito por: Camila Carneiro

Fonte: Jusbrasil