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A realização da audiência de custódia imediatamente após a prisão em flagrante é iniciativa que encontra respaldo em normas internacionais, sendo mecanismo de prevenção e de combate à tortura, visando também à humanização e a garantia de efetivo controle judicial das prisões provisórias.

Dispõe o artigo 7.5 da Convenção Americana de Direitos Humanos que “toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais”.

Com isto, podemos entender que a principal função da audiência de custódia é ajustar o processo criminal as leis internacionais sobre Direitos Humanos.

O Pacto de San Jose da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos)é um dos Tratados internacionais mais importantes no que diz respeito à proteção dos direitos humanos e das garantias individuais do último século. Após ter sido ratificado pelo Brasil em 1992, era de se esperar que o país passasse a colocar em prática os direitos e garantias neles, estabelecidas, muitas das quais já previstas, expressamente, na Constituição Federal de 1988.

Deste modo, Cruz (2002) afirma:

A possibilidade de que o próprio acusado intervenha, direta e pessoalmente, na realização dos atos processuais, constitui, assim, a autodefesa (…). Saliente-se que a autodefesa não se resume à participação do acusado no interrogatório judicial, mas há de estender-se a todos os atos de que o imputado participe. (…) Na verdade, desdobra-se a autodefesa em direito de audiência e em direito de presença, é dizer, tem o acusado o direito de ser ouvido e falar durante os atos processuais (…).

Destarte que as normas internacionais que preveem a apresentação física do preso não estão em contradição com nenhuma norma do nosso ordenamento jurídico. Conforme Masi (2015), a relação entre elas é de complementariedade, uma vez que a Constituição admite a ampliação do rol de garantias fundamentais nela previsto por meio dos tratados internacionais.

Importante destacar que a Constituição deixou de ser o único referencial de controle das leis ordinárias, dando espaço ao “controle de convencionalidade” (compatibilidade material), o qual segundo Ingo Sarlet, não faz distinção entre os tratados aprovados pelo rito especial do artigo 5º, par.3º, da CF/88 (que equivalem a emendas constitucionais) e aqueles aprovados por maioria simples do Congresso Nacional (que são normas supralegais), devendo ser observados até mesmo preventivamente pelo Legislativo, quando da apreciação de algum projeto de lei (MASI, 2015, p. 95).

Diante disso, é relevante a normatização interna da audiência de custódia, a fim de que o Estado brasileiro efetive o cumprimento dos compromissos internacionais firmados para que possa evitar a ocorrência de nulidades relacionadas à violação de direitos humanos.

Longe de ser um procedimento meramente burocrático, a audiência de custodia é um instrumento de humanização do processo penal, pois desta forma se reduzirão os índices da população carcerária.

A audiência de custódia possibilita que o juiz analise os requisitos formais do auto de prisão em flagrante, podendo relaxar eventual prisão ilegal; promover um breve contraditório (um espaço democrático de discussão) acerca da possibilidade de concessão da liberdade provisória, com ou sem fiança, da aplicação de medidas cautelares diversas e, em último caso da necessidade ou não da conversão em flagrante (medida pré-cautelar) em prisão preventiva.

Destarte, é uma forma de resguardo da dignidade e dos direitos fundamentais do imputado. Também, é uma medida capaz a dar concretude ao contraditório prévio, instituído após a reforma do sistema de cautelaridade no processo penal brasileiro, referência constitucional e convencional humanitárias.

A audiência de custódia, em que pese sua origem estar vinculada a uma norma que vigora no Brasil desde 1992, finalmente vem ganhando seu espaço na doutrina. Desse modo, alguns Tribunais entenderam por bem regulamentar a aplicação dessa medida e, do mesmo modo, o Conselho Nacional de Justiça editou as Resoluções nº 213 e 214 dispondo sobre a audiência de custódia.

Com a implantação da prática, haverá um potencial auxílio na redução do alto índice de presos provisórios no país, que é de 42% da população carcerária, segundo recentes dados do CNJ, amenizando a superpopulação carcerária e o déficit de vagas, de modo a propiciar melhorias nas condições de cumprimento de pena nos estabelecimentos prisionais, aliadas a redução de custos (MASI, 2015, p. 83).

Destarte, a mudança cultural é necessária para atender às exigências dos arts. 7.5 e 8.1 da Convenção Americana de Direitos Humanos, mas também para atender, por via reflexa, a garantia do direito de ser julgado em um prazo razoável (art. 5.º, LXXVIII da CF), a garantia da defesa pessoal e técnica (art. 5.º, LV da CF) e também do próprio contraditório recentemente inserido no âmbito das medidas cautelares pessoais pelo art. 282, § 3.º, do CPP.

Em relação a essa última garantia – contraditório – é de extrema utilidade no momento em que o juiz, tendo contato direto com o detido, poderá decidir qual a medida cautelar diversa mais adequada (art. 319 CPP) para atender a necessidade processual.

A superlotação viola as normas e princípios constitucionais, trazendo como consequência para o preso, uma “sobrepena”, uma vez que a convivência no presídio trará uma angústia maior do que a própria sanção imposta.

A prisão é um instrumento ineficiente e que serve apenas para estigmatizar e rotular o condenado, que, ao sair da cadeia, estará em uma situação muito pior do que quando entrou.

A corrupção existente no sistema carcerário, salienta Greco (2015) que, conjugada com o tratamento indigno dispensado aos detentos (aqui incluída, obviamente, a superlotação carcerária), tornou-se uma marca registrada do sistema penitenciário do século XX, bem como do início do século XXI.

As práticas criminais brasileiras ainda estão, salvo raras exceções, enclausuradas na esfera ordinária do processo penal, conforme salienta Giacomolli (2015), permanecem impermeáveis para às novas tecnologias e reféns de uma compreensão paleopositivista, gerada pela inflação legislativa, pela perda da referência constitucional e convencional humanitárias.

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Fonte: Canal Ciências Criminais