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A evolução das relações de trabalho, em função da economia e dos processos produtivos, alterou sobremaneira o comportamento das partes envolvidas. Dia após dia, criam-se cada vez mais mecanismos de controle sobre as atividades do trabalhador, tais como: revistas pessoais, revistas em objetos do empregado, limites estipulados para chamadas telefônicas ou para ir ao banheiro, bem como imposição a exames médicos e tratamentos e até mesmo controle de objetos e fotos que se colocam no escritório.

Diante deste novo cenário das relações de trabalho, eis que surge uma pulsante colisão entre os direitos de personalidade do trabalhador e o poder diretivo do empregador, tendo em vista que ambos são protegidos constitucionalmente.

Cumpre ressaltar, antes de nos adentrarmos no tema central deste artigo, a importância de explicarmos – ainda que superficialmente – o que significam: Poder Diretivo do Empregador e Direito de Personalidade do Trabalhador.

O direito de personalidade do trabalhador, segundo Bittar, são direitos reconhecidos à pessoa humana tomada em si mesma e em suas projeções na sociedade, previstos no ordenamento jurídico exatamente para a defesa de valores inatos ao homem, como a vida, a higidez física, a intimidade, a honra, a intelectualidade e outros tantos. (BITTAR, 2003, p. 03). Quanto ao poder diretivo do empregador, segundo Maurício Godinho Delgado, este seria “o conjunto de prerrogativas com respeito à direção, regulamentação, fiscalização e disciplinamento da economia interna à empresa e correspondente prestação de serviços.” Trocando em miúdos, seria basicamente o poder de normatizar, controlar e até punir os seus empregados no âmbito de seu empreendimento. Portanto, com base na referida prerrogativa legal, a revista íntima é utilizada pelas empresas com o objetivo de defender e preservar o seu patrimônio e seus interesses. No entanto na maioria das vezes é utilizada de forma lesiva, violando a honra e dignidade de seus empregados, ocasionando diversas discussões sobre o tema.

Ocorre que, o artigo 373-A da Consolidação das Leis do Trabalho proíbe a revista íntima realizada em mulheres. No entanto, o Poder Judiciário utiliza por analogia o mesmo critério para punir essa prática quando um funcionário do sexo masculino passa por essa situação, em face do princípio da igualdade previsto na Constituição Federal.

Atualmente, depois de terem sofrido várias multas e penalidades, as empresas passaram a adotar uma sistemática preventiva, objetivando evitar a revista abusiva nos seus funcionários e assim, impedir a condenação em indenização por danos morais.

Materiais de expediente esto sendo subtrados e o patro determinou revista ntima Eu no roubei nada E agora Posso me recusar a fazer

Importante: Oportuno salientar que a revista não íntima realizada por cautela, em bolsa e sacolas dos funcionários, geralmente, não enseja o pagamento de danos morais. Pois, há corrente jurisprudencial que condiciona a validade de tais revistas em bolsas e sacolas a certas circunstancias objetivas, a serem consideradas no caso concreto: efetiva necessidade da revista, segundo o segmento empresarial; inviabilidade de se exercitar o poder fiscalizatório por outros meios menos invasivos. Sendo certo que deve ficar claro que o intuito da empresa é preservar seus bens, a fim de tutelar os seus direitos, exercendo seu poder de fiscalização.

Imaginem a situação: durante o expediente, o patrão percebe o desaparecimento de uma determinada mercadoria de valor, após presumir que trata-se de um furto praticado por um de seus empregados, ele então convida todos os funcionários a se reunirem no pátio da empresa sob o argumento de que vai proceder com uma revista pessoal e em seguida com revista íntima – para o caso de insucesso na busca pelo objeto desaparecido mediante a revista pessoal.

Conseguem imaginar o clima tenso, a atmosfera pesada e a dimensão do possível constrangimento no qual os funcionários estarão submetidos? É uma situação delicada. Mas, e se alguém – munido de boa-fé e plena consciência de que jamais furtou o tal objeto – se recusar a se sujeitar à revista?

O empregado pode se negar a ser submetido à revista?

Partindo do princípio de que não há nenhuma lei que obrigue o trabalhador a ser submetido a revistas em seu trabalho, muito pelo contrário, há proibição expressa no que tange à revista íntima, o trabalhador pode se recusar a ser submetido a qualquer procedimento que afronte a sua dignidade. (Grifo nosso)

Ademais, a prática da revista sem qualquer fundamento, acaba por inverter a presunção de inocência prevista no artigo 5º, LVI, CF, pois parte da presunção de culpabilidade do trabalhador.

Segundo Luiz Roberto Mattos, “em nossa sociedade, em nossa cultura, ainda consideramos todos honestos até prova em contrário. Não é admissível do ponto de vista filosófico inverter a presunção de honestidade do cidadão, como faz o empresário que submete seus empregados a revista íntima, considerando ele que todos os empregados são desonestos até prova em contrário, e que poderão levar bens da empresa para casa.

Descoberto o furto, ou a apropriação indébita, pode o empresário buscar a autoridade policial para que investigue; e descoberto o autor do crime, pode o empresário despedir o empregado por justa causa, por improbidade, com fulcro no art. 482 da CLT.”

Caso ocorrido na vida real

Por fim, para ilustrar este singelo artigo, trago um caso concreto ocorrido em Campinas – SP, onde uma loja de roupas convidava todos os funcionários a se reunirem para a realização de um “sorteio”, onde o “vencedor” teria de se dirigir ao provador de roupas para realização de revista íntima, ou seja, o vendedor tinha que abaixar as calças para provar que não carregava escondido no corpo produtos do estabelecimento.

Constrangido, o trabalhar entrou com uma ação por danos morais. Em primeira instância, o empregado teve a ação de indenização por danos morais aceito, pois a revista íntima foi considerada humilhante. Além disso, o procedimento de revista não foi acordado com os trabalhadores no momento da contratação. A empresa então recorreu ao TRT da 15ª região, com sede em Campinas, que anulou a condenação por entender que a empresa apenas exerceu o poder de fiscalização. O vendedor recorreu ao Tribunal Superior do Trabalho. Por unanimidade, a Quarta Turma aceitou o recurso do trabalhador e restabeleceu a indenização por dano moral no valor de R$ 20 mil.

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Escrito por: Flávio da Rocha

Fonte: Jusbrasil