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Na data de 15 de dezembro de 2016 foi promulgada uma Emenda ao texto constitucional, a qual compreende os artigos 100 ao 105 da Constituição Federal, que dispõe sobre o regime de pagamento de débitos públicos decorrentes de condenações judiciais e acrescenta dispositivos ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir regime especial de pagamento para os casos em mora.

A Emenda Constitucional 94/2016 foi aprovada com o intuito de que os cidadãos não sejam mais submetidos a prazos cada vez maiores de espera pelo pagamento de precatórios (dívidas contraídas pelos governos quando condenados pela Justiça).

Assim, haverá um regime especial onde os precatórios a cargo dos estados, do Distrito Federal e de municípios pendentes até 25 de março de 2015 e aqueles a vencer até 31 de dezembro de 2020 poderão ser pagos até 2020, inclusive com a possibilidade de negociação do valor com redução máxima permitida de 40% ou compensação de dívidas inscritas até 25 de março de 2015.

E quais seriam as fontes de recursos para a quitação desses débitos? Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão depositar, mensalmente, em conta especial do Tribunal de Justiça local, quantia nunca inferior à média do comprometimento percentual da receita corrente líquida no período de 2012 a 2014.

Além do mais, poderão ser usados os depósitos judiciais e administrativos em dinheiro, tributários ou não tributários, nos quais o Estado, o Distrito Federal ou os Municípios, ou suas autarquias, fundações e empresas estatais dependentes, sejam parte. Até aí tudo lindo, todo mundo recebendo os precatórios.

Entretanto, surge a alínea II, do parágrafo 2.º, criando uma insegurança jurídica da qual será permitida a utilização de “20% (VINTE POR CENTO) dos demais depósitos judiciais da localidade, sob jurisdição do respectivo Tribunal de Justiça, excetuados os destinados à quitação de créditos de natureza alimentícia, mediante instituição de fundo garantidor composto pela parcela restante dos depósitos judiciais”.

Ou seja, o Distrito Federal, Estados e Municípios poderão utilizar depósitos judiciais de causas de particulares! Dessa forma, coloca a disposição dos entes públicos valores de terceiros que estão apenas sob a administração do Judiciário e que não lhe pertencem. Vejamos o dispositivo mencionado:

§ 2º O débito de precatórios poderá ser pago mediante a utilização de recursos orçamentários próprios e dos seguintes instrumentos:

I – até 75% (setenta e cinco por cento) do montante dos depósitos judiciais e dos depósitos administrativos em dinheiro referentes a processos judiciais ou administrativos, tributários ou não tributários, nos quais o Estado, o Distrito Federal ou os Municípios, ou suas autarquias, fundações e empresas estatais dependentes, sejam parte;

II – até 20% (vinte por cento) dos demais depósitos judiciais da localidade, sob jurisdição do respectivo Tribunal de Justiça, excetuados os destinados à quitação de créditos de natureza alimentícia, mediante instituição de fundo garantidor composto pela parcela restante dos depósitos judiciais, destinando-se:

a) no caso do Distrito Federal, 100% (cem por cento) desses recursos ao próprio Distrito Federal;

b) no caso dos Estados, 50% (cinquenta por cento) desses recursos ao próprio Estado e 50% (cinquenta por cento) a seus Municípios;

III – contratação de empréstimo, excetuado dos limites de endividamento de que tratam os incisos VI e VII do art. 52 da Constituição Federal e de quaisquer outros limites de endividamento previstos, não se aplicando a esse empréstimo a vedação de vinculação de receita prevista no inciso IV do art. 167 da Constituição Federal.”

No mês de março de 2017, o Procurador-Geral da República Rodrigo Janot Monteiro De Barros propôs uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (5679) especificamente contra esta disposição acima afirmando o seguinte:

Destinar recursos de terceiros, depositados em conta à disposição do Judiciário, à revelia deles, para custeio de despesas ordinárias do Executivo e para pagamento de dívidas da fazenda pública estadual com outras pessoas constitui apropriação do patrimônio alheio, com interferência na relação jurídica civil do depósito e no direito fundamental de propriedade dos titulares dos valores depositados.

A teor da ADI, o Procurador-Geral descreve que foi violado dispositivo constitucional que veda a proposta de emenda tendente a abolir a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais. E elenca ainda mais dispositivos constitucionais violados: a divisão de funções dos Poderes da União (art. 2.º); o direito fundamental de propriedade dos titulares de depósitos (art. Art. 5.º, caput e art. 170, II); o direito fundamental de acesso à justiça (art. 5.º, XXXV); o princípio do devido processo legal substantivo (art. 5.º, LIV); a duração razoável do processo (art. 5.º, LXXVII).

Durante sua fundamentação, o Procurador descreve as lições de Orlando Gomes em conjunto com os artigos disciplinados pelo Código Civil e Código de Processo Civil sobre os depósitos judiciais e extrajudiciais e demonstra que “é natureza jurídica do depósito possibilitar ao depositante reaver de imediato a coisa, tão logo a deseje (ou a isso esteja autorizado, como no caso do depósito a ordem de juízo), mesmo se depositada com prazo certo.” Assim, frisa, por várias vezes, a afronta da proteção à propriedade privada e todas as demais relações patrimoniais.

No decorrer também cita a fala da Ministra Carmen Lucia no julgamento da ADI 2.855/MT referente a caso análogo:

Estou enfatizando, Senhor Presidente, que este é um problema que precisa ser enfrentado, porque há um vício no sistema e o jurisdicionado brasileiro está pagando caro por ele. A fórmula, no entanto, não me parece que possa ser essa, porque esse valor a mais que o banco ganha vai para essa conta, e isso não tem embasamento, pelo menos ético, sequer jurídico, não é nem uma desapropriação, na verdade, é uma expropriação, é um quase confisco, porque estamos tirando aquilo que é obtido [com os depósitos judiciais] e entregando para o Poder Judiciário, que tem suas carências, possa usar. Primeiro: Perguntaram ao litigante? Perguntaram ao jurisdicionado? Segundo: O sistema comporta esse tipo de situação? Terceiro: O Estado pode criar este mecanismo de uso de um direito que não é seu? – e aí vamos ter várias condições em vários Estados; vi mesmo Municípios querendo fazer a mesma coisa, ou seja, quando ele fosse parte, poderia fazer isso.[…]E ainda há um outro problema que vi quando estudei a matéria: não se sabe em que momento, por exemplo, o Poder Judiciário vai determinar o levantamento e quanto se tem nessa conta, porque, na hora que se determina o levantamento, tem que ser de imediato. Ora, se o banco está emprestando e uma parte já reverteu para o próprio Judiciário, como ficam todos que estão nessa verdadeira ciranda?

Aí você indaga: Ah, será muito difícil chegar aos 20% do restante dos depósitos judiciais. Ah, mas se o Poder Executivo levantar os 20%, tem o fundo garantidor.

A verdade é que, infelizmente, a Emenda traz consigo uma insegurança jurídica SIM e não há como fechar os olhos para isso. Não se pode esquecer que o histórico de inadimplência dos estados e municípios é grande e, ainda, a Emenda tão somente se limitou a estabelecer esse fundo garantidor, tendo que o cidadão aguardar por lei posterior para saber o que eventualmente pode acontecer ou aguardar por um crédito a ser pago em um futuro incerto – mesmo após sua demanda judicial ou administrativa já ter se findado.

Já existem diversos precedentes do STF sobre casos de declaração de inconstitucionalidade à leis de caráter semelhante, mas até o momento não há qualquer decisão a respeito da referida Emenda, nem sequer a concessão da medida cautelar para a suspensão da eficácia do art. 2.º da Emenda Constitucional 94/2016 que acrescenta ao texto constitucional o art. 101, § 2.º, I e II.

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Escrito por: Lauren

Fonte: Jusbrasil