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Antes mesmo de sua remoção para Itabira, o juiz Cristiano Daniel Muzzi, titular da 1ª Vara do Trabalho da localidade, já havia sido alertado por colegas magistrados que lá atuaram de que a quase totalidade dos processos ajuizados possuíam pedidos de indenização por danos morais. É o próprio juiz quem relata essa história, frisando que talvez tenha sido esse excesso o que o levou a fazer uma profunda reflexão sobre o tema. As ponderações do magistrado a esse respeito constam de várias decisões por ele proferidas, uma delas envolvendo um operador de equipamentos de instalação e a Vale.

No caso, o trabalhador pretendia receber diversas verbas, incluindo uma indenização por dano moral, por ausência de banheiros químicos ou de alvenaria, refeitórios e local apropriado para que pudesse se higienizar. Ele alegou que a situação aconteceu até um ano antes de ser dispensado. Mas o magistrado entendeu que o dano moral não ficou caracterizado no caso e julgou improcedente o pedido.

Na sentença, o juiz destacou que, por vezes, a grande quantidade de ações envolvendo pedidos de indenização por danos morais é atribuída a uma maior conscientização de direitos. Mas essas razões, ainda que consideradas verdadeiras, não o convencem. “A meu ver, a sociedade mudou, ela está sempre em mutação, e uma delas está na percepção de que o Poder Judiciário deverá ser o “árbitro” para todo e qualquer aborrecimento ou contraposição”, registrou. Para o julgador, a onda de pleitos de indenização visando a obtenção de algum ganho pecuniário, sem grande esforço, surge nesse cenário que ele chama de “demandismo exagerado”.

O magistrado chamou a atenção para o fato de situações comuns do dia a dia, antes vistas com naturalidade, hoje serem exortadas como lesões às esferas íntimas do indivíduo, sem grande fundamento. Por isso, afirmou repetir com tranquilidade o que ouve por ai: “há uma indústria do dano moral nos tribunais. E nesse cenário, com certeza a Justiça do Trabalho é um dos expoentes”, pontuou.

Segundo o juiz, a frase deve causar espanto em muitos dos que atuam na seara trabalhista, mas hoje, ele percebe que se pode pedir de tudo no processo do trabalho que, por mais absurdo ou excessivo, não haverá sanção alguma. No pior dos cenários, haverá a improcedência dos pedidos, já que não há qualquer ônus pela sucumbência na Justiça do Trabalho. “É um jogo que não se pode perder, no máximo empatar, gerando um ciclo vicioso, pois aquele que antes buscava cumprir as normas, vendo o excesso pelo outro lado, passa a não mais cumpri-las, imaginando erroneamente que de nada serviria sua correição”, pontuou. E o resultado disso, ao final, é uma “verdadeira tsunami” de pedidos desprovidos de razão, ou, no mínimo, desprovidos de razoabilidade, conforme entendimento do magistrado.

Entenda o caso – No caso analisado, o ex-empregado da Vale pedia indenização por danos morais alegando falta de banheiros no ambiente de trabalho, situação que, segundo apontou, causava a ele enorme constrangimento. Diante do contexto, o juiz registrou uma curiosidade: atualmente quase todos os processos movidos contra a Vale possuem idêntico pedido, e cada vez que se ouve uma testemunha a história se altera um pouco. Uns dizem que não havia banheiro; outros admitem que havia, mas eram tão sujos que não havia como usar; outros dizem que podiam chamar pelo rádio para usar, mas não o faziam porque a necessidade era iminente; outros negam que podiam chamar pelo rádio, entre outras versões. Para o juiz, as contradições são claras, pois, se não havia banheiro, porque haveria a possibilidade de chamar o supervisor por rádio? Se o banheiro estava sujo, certamente é porque alguém o utiliza e se o utilizam, é porque é possível o uso.

Conforme observa o julgador, a verdade é uma só e o fato de se apontarem em juízo várias situações de um mesmo evento é, para ele, demonstração clara de que esse evento não ocorreu.

O magistrado estranhou o fato de que a Vale está na cidade de Itabira há mais de 80 anos, mas só agora, a partir do final do ano passado é que os empregados começaram a reportar essa lesão, justamente após a contratação de banheiros químicos. Ele chamou a atenção para o fato de que, nos outros processos, foi determinada a comprovação de fornecimento de banheiros químicos nas lavras e, pelo que se constata dos documentos, antes de 2010 já havia a contratação desses banheiros. Com a recorrência da matéria na VT local, nos autos do processo nº 0010768-68.2015.5.03.0060, foi determinada a realização de uma diligência de certificação, a ser cumprida por oficial de justiça. Contudo, optou-se por realizar uma inspeção judicial. Nessa diligência, o magistrado registra ter podido observar a efetiva existência de banheiros, em todas as áreas da mina, área de lavra, britagem, manutenção. Algumas um pouco distantes do local da prestação de serviço, mas considerando se tratar de área de risco, inclusive com detonação de rochas, considerou razoável a distância guardada.

Para o juiz sentenciante, seria perigoso espalhar aleatoriamente banheiros químicos na área de lavra. Isto porque os motoristas dos caminhões fora de estrada não conseguem enxergar todo o solo de dentro das cabines e poderia ocorrer de alguma delas ser “atropelada” caso não observado um local previamente estabelecido, fora da área de tráfego.

O julgador ressalta que o estado dos banheiros não mereceu crítica, não se podendo sequer dizer que houve “preparo” do local, pois a inspeção somente foi comunicada à Vale poucas horas antes da diligência, apenas com vista à disponibilização de veículos tracionados para visita aos locais de lavra. Segundo ele, alguns dos banheiros, inclusive, continham uma fina película de pó de minério, a evidenciar que não receberam manutenção em cima da hora para mascarar a situação efetivamente existente.

Em relação às Normas de Segurança aplicáveis ao caso, (N. R.´s 22 e 24) o juiz também não encontrou qualquer irregularidade. Foi registrado que a N. R. 22 prevê tão somente que a empresa ou Permissionário de Lavra Garimpeira deverá manter instalações sanitárias tratadas e higienizadas destinadas à satisfação das necessidades fisiológicas, próximas aos locais e frentes de trabalho e que as instalações que adotem processamento químico ou biológico dos dejetos deverão observar as normas de higiene e saúde e as instruções do fabricante.

Recurso – Diante de todo esse quadro, o magistrado decidiu julgar improcedente o pedido. A decisão foi mantida, nesse ponto, pela 2ª Turma do TRT de Minas, em grau de recurso. Acompanhando o voto da desembargadora Maristela Íris da Silva Malheiros, os julgadores entenderam que o trabalhador não comprovou a versão de que não havia banheiros e refeitório em local apropriado, não demonstrando o ato ilícito por parte da empregadora ou a alegada lesão sofrida. Conforme salientado, a questão é recorrente na Justiça do Trabalho de Itabira, o que levou à realização da inspeção judicial na Vale. Registrou-se, ainda, que não deve ser ignorado o fato relatado pelo juiz sentenciante de que a Vale possui documentos relativos à contratação de banheiros em período anterior ao ano de 2015. Com esses fundamentos, a Turma rejeitou o argumento de que teria havido violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa, pois foi o ex-empregado que não se desincumbiu de seu ônus de prova.

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Fonte: TRT3