Passeava em um grupo do facebook e vi que uma pessoa perguntou se o réu pode mentir em seu interrogatório e se isso configura algum crime.
Confesso que a pergunta até me pareceu boba, mas na verdade não é e para respondê-la é preciso ter em mente algumas questões importantes.
Inicialmente, necessário saber que o réu não é obrigado a constituir prova contra si mesmo, cabendo à acusação (ao menos na teoria) provar a prática do crime por parte do réu.
Paulo Rangel, ao tratar desse tema, afirma que
O ônus da prova, no processo penal moderno, pertence todo ao Ministério Público, não sendo admissível que o indiciado tenha que suportar o encargo de municiar o órgão de acusação para que este ofereça denúncia contra aquele. (Direito Processual Penal, p. 785, ed. Lúmen Júris 2002)
Inclusive ao contrário do que ocorre com as testemunhas (artigo 203 do CPP), o acusado sequer presta compromisso de dizer a verdade.
Ademais, é de nosso conhecimento o direito que o réu tem de permanecer calado durante o seu interrogatório, mas esse silêncio em hipótese alguma pode ser interpretado como sendo confissão ou em prejuízo à defesa (artigo 186 do CPP).
Em julgamento de recurso no TJSP:
o silêncio do réu é garantia constitucional e de forma alguma poderá ser prejudicado por isso! Ao Ministério Público cumpre comprovar a autoria e a materialidade do crime. O réu pode permanecer absolutamente inerte, comparecer ou não aos interrogatórios, responder ou não, sem que essa conduta lhe prejudique a defesa. (TJSP, Ap. 286.117-3, São Paulo, 7.ª C. De Férias de Janeiro de 2000, 12.01.2000, v. U.)
Há, também, na Convenção Americana de Direitos Humanos, em seu artigo 8º, 2, g, a garantia judicial dada a pessoa “de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada”.
Levando em consideração, então, que não é obrigação do acusado produzir prova contra ele mesmo e que a ele é assegurado o direito de permanecer em silêncio, não pode haver obrigatoriedade alguma dele confessar a prática delitiva. Logo, pode negar a autoria do delito, por mais que represente uma mentira e isso não deve caracterizar nenhum crime.
O Ministro Celso de Mello, já se manifestou sobre essa questão, afirmando que
Ninguém pode ser constrangido a confessar a prática de um ilícito penal. O direito de permanecer em silêncio insere-se no alcance concreto da cláusula constitucional do devido processo legal. E nesse direito ao silêncio inclui-se, até mesmo por implicitude, a prerrogativa processual de o acusado negar, ainda que falsamente, perante a autoridade policial ou judiciária, a prática da infração penal. (RHC 71421-/RS – Rio Grande do Sul. Relator: Ministro Celso de Mello.)
Devo destacar que o interrogatório é considerado para muitos meio de defesa e não um meio de prova, motivo pelo qual nada o impede de mentir.
Para NUCCI, em seu CPP Comentado “é meio de defesa, primordialmente; em segundo plano, é meio de prova”,
o interrogatório é, fundamentalmente, um meio de defesa, pois a Constituição assegura ao réu o direito ao silêncio. Logo, a primeira alternativa que se avizinha ao acusado é calar-se, daí não advindo consequência alguma. Defende-se apenas. Entretanto, caso opte por falar, abrindo mão do direito ao silêncio, seja lá o que disser, constitui meio de prova inequívoco, pois o magistrado poderá levar em consideração suas declarações para condená-lo ou absolvê-lo.
Esse é o entendimento que também é seguido por Damásio (CPP anotado):
A nova disciplina do interrogatório lhe confere preponderantemente caráter de meio de defesa. No entanto, o fato de o seu conteúdo poder ser utilizado como elemento na formação da convicção do julgador lhe outorga, secundariamente, a característica de meio de prova.
Apesar de não ser obrigado a falar a verdade e de poder ficar em silêncio, o réu não pode mentir, imputando a terceiros práticas criminosas, por exemplo, sob pena de responder por crime.
Imaginemos que o réu negue a prática do crime e afirme mentirosamente que foi Tício o autor. Nesse caso, o acusado não apenas mentiu ao negar a prática delitiva, como também cometeu crime ao mentir e afirmar que foi Tício o autor.
Não se trata, então, de falar mentira quanto aos fatos que lhe são atribuídos, como a negativa de autoria, que pode até ser uma estratégia de defesa, mas imputar falsamente a terceiros a prática do crime, extrapolando o seu direito e incorrendo em um novo crime.
Importante destacar que para alguns a mentira do réu pode ser utilizada como forma de afastar a pena base do mínimo legal, negativando alguma das circunstâncias na primeira fase da dosimetria, como a personalidade, por exemplo, mas entendo que nem isso é possível, justamente por entender nao ser possível punir o réu por exercer um direito que lhe é garantido.
É claro, sempre devemos buscar a verdade no processo e o réu ao colaborar para essa busca acaba “forçando” o magistrado a aplicar uma pena menor, até mesmo com o reconhecimento da atenuante genérica da confissão.
Todavia, isso não é uma obrigação e o acusado não comente crime algum ao simplesmente negar a prática de um crime que efetivamente cometeu.
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Escrito por: Pedro Magalhães
Fonte: Jusbrasil