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Como foi dito na semana passada, os primeiros textos da coluna serão voltados para o concurso de crimes.

Apenas para resumir o que foi dito quanto ao concurso material, suas principais características são: a prática de mais de uma ação pelo agente, resultando em mais de um crime, com a consequente soma das penas aplicadas a cada um dos crimes concorrentes.

Já no tocante ao texto sobre o concurso formal, foi visto que se trata da modalidade de concurso em que o agente, mediante uma só ação, pratica mais de um crime. Consequentemente, em se tratando de concurso formal perfeito, não há a soma das penas de cada um dos crimes, mas a aplicação de uma fração em uma delas.

Vimos, ainda, que há possibilidade das penas serem somadas, o que ocorre no concurso formal imperfeito, assim, como ocorre no concurso material. Para tanto, é necessária a existência de “desígnios autônomos” por parte do agente.

No texto de hoje falaremos sobre o crime continuado, constante no artigo 71 do Código Penal:

Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.

Da leitura do artigo anterior é possível depreender que a continuidade delitiva possui os seguintes requisitos: (1) mais de um crime da mesma espécie; (2) mais de uma ação; e (3) necessidade de que os crimes posteriores, levando-se em consideração as condições de tempo, lugar, maneira de execução, dentre outros, sejam considerados como uma continuação do primeiro crime.

Portanto, apesar de o agente praticar mais de um crime, entende-se, para fins de aplicação da pena, que se trata de um único crime, pois estarão “unidos pela semelhança de determinadas circunstâncias (condições de tempo, lugar, modo de execução ou outras formas que permitam deduzir a continuidade)” (DELMANTO, 2010, p. 319).

Como consequência da prática de crimes em continuação delitiva, da mesma forma como ocorre no concurso formal, a pena de um dos crimes, caso sejam idênticas, ou, caso sejam diferentes, a mais grave, será aumentada de 1/6 a 2/3.

E, ainda da mesma forma como ocorre no caso do concurso formal, a fração a ser aplicada no caso concreto dependerá da quantidade de crimes concorrentes (STF, RTJ 143/215).

Dessa feita, sendo dois crimes, aumenta-se em 1/6; três, 1/5; 4, 1/4; 5, 1/3; 6, 1/2; e 7 ou mais crimes, a fração máxima (2/3).

No tocante a natureza jurídica, importante destacar duas correntes. Para a primeira, o crime continuado é uma ficção jurídica, criada pela lei. “Na realidade há uma pluralidade de delitos, mas o legislador, por uma ficção, presume que eles constituem um só crime, apenas para efeito de sanção penal”(CAPEZ, 2011).

No caso da segunda, é uma realidade, sendo que o Código Penal adotou a teoria de que a unidade do crime continuado é fictícia.

Com relação a “crimes da mesma espécie”, deve ser ressaltado que também existem duas posições:

a) Para a primeira, é necessário que os crimes estejam previstos no mesmo tipo legal, sendo admitido ainda que diversas suas modalidades (doloso, culposo, tentado, majorado, qualificado…);

b) Segundo o outro posicionamento, “são crimes da mesma espécie os que protegem o mesmo bem jurídico, embora previstos em tipos diferentes. […]. Assim seriam delitos da mesma espécie o roubo e o furto, pois ambos protegem o patrimônio” (NUCCI, 2013, p. 495).

Importante ter em mente que essa é uma questão tormentosa não só para a doutrina, sendo possível encontrar decisões em ambos os sentidos, prevalecendo a primeira, senão vejamos:

PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 157, § 2.º, I, E ART. 155, CAPUT, E ART. 146, § 1.º, C. C. ART. 14, II, DO CP. […]. (2) CONTINUIDADE DELITIVA. ROUBO E FURTO. IMPOSSIBILIDADE. DELITOS DE ESPÉCIES DISTINTAS. […]. 1. […]. 2. É consolidado nesta Corte o entendimento no sentido de que não há se falar em continuidade delitiva entre roubo e furto, porquanto, ainda que possam ser considerados delitos do mesmo gênero, não são da mesma espécie. Precedentes. 3. […]. (STJ – HC: 162672 MG 2010/0027776-3, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 28/05/2013, T6 – SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 06/06/2013)

Continuidade inadmissível, pois os crimes de roubo e latrocínio, embora sejam da mesma natureza, diferem quanto à espécie. (RT 725/531, RT 734/658, RSTJ 64/139)

Conforme mencionamos, um dos requisitos para reconhecimento da continuidade delitiva é que “as condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes” demonstrem que os demais crimes cometidos sejam, nada mais, do que a continuação do primeiro delito.

Assim, por “condições de tempo”, podemos afirmar “ser necessária para a configuração do requisito temporal ‘uma certa continuidade no tempo’, ou seja, uma determinada ‘periodicidade’, que imponha ‘um certo ritmo’ entre as ações sucessivas” (NUCCI, 2013, p. 496), sendo que não há possibilidade de delimitar um determinado espaço de tempo como sendo requisito para configuração da continuidade delitiva, podendo haver variação.

Segundo DELMANTO (2010, p. 322):

varia o espaço de tempo que se admite para a conexão temporal entre os delitos: mais de um ano (TJMG, RT 722/503), sete meses (TACrSP, RT 548/327; até seis meses (TACrSP, RT 513/420); até quatro meses (STF, RT 628/382); […].

“Condições de espaço”: existe divergência quanto à variação do espaço nos crimes cometidos. Há quem entenda ser necessário que os crimes sejam cometidos na mesma cidade; em cidades contíguas; dentro de uma mesma região metropolitana, socioeconômica ou sociogeográfica, ou, até mesmo, dependendo do caso, entre cidades distantes uma da outra.

Em outras palavras, deve haver uma razoabilidade na análise acerca das condições de espaço, não sendo razoável entender, em regra, que crimes cometidos em locais muito distantes um do outro possam ser considerados como praticados em continuidade delitiva.

Quanto ao “modo de execução”, devem ser levados em consideração os métodos utilizados para a prática dos crimes, de forma a possibilitar a identificação de um padrão no modus operandi.

Dessa feita, a variação de comparsas, segundo alguns entendimentos, impediria o reconhecimento da continuidade delitiva, pois o modus operandi dos crimes é diferente, assim como ocorre com aquele que em um crime age sozinho e no subsequente em companhia de um comparsa.

O artigo 71, parágrafo único, do Código Penal possibilita que a pena a ser aplicada a um só dos crimes, se idênticos, ou a mais grave, se diferentes, seja aumentada até o triplo, desde que os crimes sejam dolosos, praticados contra vítimas diferentes, tenham sido cometidos com violência ou grave ameaça, bem como levando em consideração a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente, os motivos e as circunstâncias, ou seja, a maior parte das circunstâncias que o juiz deve se atentar para a fixação da pena (artigo 69 do Código Penal).

O referido texto legal estabelece, ainda, assim como no concurso formal, que a pena a ser aplicada com base no parágrafo único, artigo 71, Código Penal, não pode ser maior do que a que seria aplicada se fossem utilizados os critérios do concurso material (artigo 69 do Código Penal).

Por fim, deve ser mencionado o posicionamento no sentido de que a habitualidade criminosa afasta a possibilidade de reconhecimento de crime continuado, tendo em vista que a prática de reiterados crimes da mesma espécie, pelos mesmos agentes, em datas próximas, não significa que os delitos subsequentes serão tidos como continuação do primeiro, para os fins do artigo 71 do Código Penal.

Na realidade, em muitos casos, configura a habitualidade criminosa, que agrava o tratamento penal dado ao infrator, mostrando-se incompatível com a continuidade delitiva, senão vejamos o posicionamento do STJ:

HABEAS CORPUS. ARTIGOS 171, CAPUT (5 VEZES) E 171 C/C 14, II, NA FORMA DO ART. 69, TODOS DO CP. ALEGAÇÃO DE CRIME CONTINUADO. INOCORRÊNCIA. HABITUALIDADE CRIMINOSA. Continuidade delitiva. Criminoso que faz do crime profissão não faz jus à aplicação do instituto. A habitualidade é incompatível com a continualidade. A primeira recrudesce, a segunda ameniza o tratamento penal. Em outras palavras, a culpabilidade (no sentido de reprovabilidade) é mais intensa na habitualidade do que na continualidade. Impossibilidade de rever fatos e provas na via eleita. Ordem denegada. (HC 33891 / RJ MIN. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA DJ 26.04.2004)

[…] 2. Ademais, a sucessivas condenações do paciente indicam que um crime não se deu em continuação ao anterior, mas sim na habitualidade criminosa, o que afasta o reconhecimento da continuidade delitiva, na linha da jurisprudência desta Corte. […]. (STF – RHC: 120266 SP, Relator: Min. TEORI ZAVASCKI, Data de Julgamento: 08/04/2014, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-080 DIVULG 28-04-2014 PUBLIC 29-04-2014)

Diante do exposto, encerro esse texto voltado para o crime continuado. Na semana que encerraremos a série voltada para o concurso de crimes, falando sobre como se dá a aplicação da multa nesses casos, você não pode perder, até lá!

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REFERÊNCIAS

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, parte geral. São Paulo: Saraiva, 2011.

DELMANTO, Celso…[ET AL.]. Código Penal Comentado. São Paulo: Saraiva, 2010.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

Escrito por: Pedro Magalhães

Fonte: Canal Ciências Criminais