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Para explicitar o dever constitucional de fundamentação das decisões judiciais (art. 93, IX, da CF), o novo CPC enumerou, em rol exemplificativo, as hipóteses em que não se atenderá a tal requisito. As prescrições do art. 489, § 1º, se aplicam tanto às sentenças, como aos acórdãos e às decisões interlocutórias.

Essas disposições foram inseridas pelo legislador como forma de obstar a prolação de sentenças demasiadamente concisas, que muitas vezes ignoram os argumentos apresentados pelas partes e até mesmo o entendimento jurisprudencial predominante sobre a questão em litígio. Não se pode exigir, contudo, que em todo e qualquer caso o juiz fundamente, de forma exaustiva, as suas decisões. O Supremo, intérprete da Constituição, já afirmou, a propósito, que “o magistrado não estar obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte” (AI 761.901/SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 22.04.2014).

Por tal razão penso que o dispositivo estabelece uma espécie de roteiro para o magistrado – assim como faz para o advogado (art. 319, CPC/2015)–, mas que não precisa ser seguido “a ferro e fogo”.[1] Afinal, para dar conta do acervo e das metas estabelecidas pelo CNJ, não há como exigir que o julgador analise, de forma pormenorizada, todas as alegações trazidas pelas partes. O que o ordenamento jurídico não admite é a escolha aleatória de uma ou de outra questão fática para embasar o ato decisório, com desprezo a questões importantes e aos princípios do contraditório e da ampla defesa. A decisão que não se explica, que não mostra de onde veio, suscita descrença à própria atividade jurisdicional.

Pois bem. Nos termos do § 1º do art. 489, CPC/2015, não será considerada fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;

O julgador deve expor, de forma clara e coerente, as razões que lhe formaram o convencimento e não apenas indicar a norma que aplicou ao caso concreto ou reproduzir o texto de lei aplicável ao caso. São exemplos de decisões que afrontam esse dispositivo: “Em razão do disposto no art. X, indefiro o pedido”; “Restou caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte, razão pela qual defiro a medida pleiteada”.

Além disso, nos termos do § 2º do art. 489, CPC/2015, na hipótese de colisão entre normas, “o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão”. O critério de aplicação e escolha de uma ou de outra norma é um critério fático. A aplicação ou o afastamento de regras e princípios (espécies de normas) serão realizados de acordo com as especificidades do caso concreto.

II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;

Conceitos jurídicos indeterminados são aqueles “cujos termos têm significados intencionalmente vagos e abertos”.[2] São, em outras palavras, institutos que possibilitam interpretação ampla por parte do julgador, a exemplo da “ordem pública” e do “interesse público”.

Em sendo assim, a aplicação de conceitos indeterminados é, muitas vezes, geradora de insegurança jurídica. É como conceder um “cheque em branco” ao magistrado, permitindo-lhe adotar a interpretação que entenda mais adequada à solução da controvérsia.

Para evitar abusos, o Código determina que o juiz, ao aplicar esses conceitos, o faça de forma motivada, objetiva, explicitando as razões pelas quais adotou essa ou aquela interpretação.

Vamos ao exemplo. O Código Civil prevê a chamada desapropriação judicial privada por posse-trabalho (art. 1.228, § 4º), instituto que admite a restrição da propriedade quando o imóvel reivindicado consistir em extensa área e estiver na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas houverem realizado obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante. Boa parte das expressões utilizadas no dispositivo constituem “cláusulas abertas”, que devem ser analisadas de acordo com o caso concreto. Não pode o juiz, por exemplo, deferir o pedido afirmando apenas que “a área é extensa e permite a aplicação do art. 1.228, § 4º”.

III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

É fundamental que as decisões judiciais estejam coerentes com os fatos apresentados pelas partes. A fundamentação do julgado não pode se mostrar incompreensível ou contraditória, ao ponto de gerar dúvida acerca da conclusão apresentada pelo magistrado. Além disso, levando-se em consideração que a jurisdição tem como característica a criatividade, incumbe ao órgão jurisdicional respeitar as peculiaridades de cada caso concreto.

Se o autor, maior e capaz, pleiteia alimentos em face de seu genitor, sob o argumento de que ainda se encontra cursando o ensino superior em horário integral, ou o juiz acolhe o pedido (integralmente ou em parte), ou nega-o com base, por exemplo, na idade avançada do autor. Nesse exemplo, não pode o juiz invocar que se o autor não tivesse condições de trabalhar, o pleito alimentar poderia ser atendido. Em síntese, se o autor demonstrar que não tem condições de trabalhar e o juiz, ao analisar o mérito, não apreciar essa questão, mas a suscitar como possível, a decisão será considerada como não fundamentada, possibilitando a interposição de embargos declaratórios em razão de contradição.

Outro exemplo ocorre quando o juiz, ao proferir determinada decisão, discorre sobre posicionamento tido como correto, mas aplica tese oposta. É como se na fundamentação do julgado as razões invocadas indicassem a procedência do pedido, mas o dispositivo chegasse a conclusão totalmente diversa. Não se afasta, contudo, a possibilidade de o julgador ressalvar o seu entendimento em relação a determinado tema, mas aplicar tese definida por tribunal superior.

IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

A decisão judicial deve ser construída ao longo do processo, após a análise das alegações das partes, da apreciação da prova e das demais circunstâncias do caso concreto. Em outras palavras, tudo o que de relevante for produzido, deduzido e percebido no processo deve ser levado em consideração no momento de se proferir uma decisão, especialmente em se tratando de sentença ou de acórdão.

Isso não quer dizer que o juiz tenha que apreciar todo e qualquer argumento constante dos autos. Se, por exemplo, em ação de divórcio, uma das partes enumera as razões pelas quais se está propondo a demanda, não há necessidade de que o juiz se manifeste sobre elas, mas apenas que verifique se estão preenchidos os pressupostos necessários à concessão do pedido.

Outro exemplo ocorre quando as partes apresentam diversos fundamentos, mas todos eles são capazes de lhe propiciar um julgamento favorável. Se o juiz examina o primeiro e conclui pela procedência da demanda, não há necessidade de apreciar os demais. Por outro lado, se apenas um dos argumentos é levado em consideração para a prolação de uma decisão desfavorável, deve o juiz informar na sentença o motivo pelo qual rejeitou todos os pedidos. Pode, inclusive, invocar um motivo único para todos os argumentos.

Tal requisito encontra fundamento no princípio do contraditório, que não apenas garante o direito de manifestação das partes, mas, também, o direito de serem essas manifestações tomadas em consideração pelo juiz.

Sobre o inciso IV, vale transcrever os enunciados da Escola de Aperfeiçoamento de Magistrados, que podem indicar uma futura interpretação desses dispositivos:

• Enunciado nº 6: “Não constitui julgamento surpresa o lastreado em fundamentos jurídicos, ainda que diversos dos apresentados pelas partes, desde que embasados em provas submetidas ao contraditório”.

• Enunciado nº 10: “A fundamentação sucinta não se confunde com a ausência de fundamentação e não acarreta a nulidade da decisão se forem enfrentadas todas as questões cuja resolução, em tese, influencie a decisão da causa”.

• Enunciado nº 12: “Não ofende a norma extraível do inciso IV do § 1º do art. 489 do CPC/2015 a decisão que deixar de apreciar questões cujo exame tenha ficado prejudicado em razão da análise anterior de questão subordinante”.

• Enunciado nº 13: “O art. 489, § 1º, IV, do CPC/2015 não obriga o juiz a enfrentar os fundamentos jurídicos invocados pela parte, quando já tenham sido enfrentados na formação dos precedentes obrigatórios”.

V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

Nem sempre o dever de fundamentação é observado dentro dos limites que efetivamente o processo reproduziu. As questões de fato e de direito postas em julgamento muitas vezes são desconsideradas em detrimento da aplicação “rápida” e “prática” de entendimento jurisprudencial que sequer tem relação com o caso concreto.

Por esse motivo, o novo CPC traz regras expressas que visam evitar as decisões meramente repetitivas de julgados, jurisprudências ou enunciados de súmulas, que não demonstrem a aplicabilidade do entendimento consolidado ao caso efetivamente apreciado.

Há que se ressalvar, contudo, a desnecessidade de identificação pormenorizada dos fundamentos do próprio precedente invocado. Explico. De acordo com o art. 984, § 2º, CPC/2015, o conteúdo do acórdão proferido em IRDR (incidente de resolução de demandas repetitivas)“abrangerá a análise de todos os fundamentos suscitados concernentes à tese jurídica discutida, sejam favoráveis ou contrários”. A tese firmada no incidente será amplamente divulgada (art. 979, CPC/2015), razão pela qual não se pode exigir do julgador a identificação de todos os fundamentos da decisão que ele utilizará para subsidiar a sua sentença. Como a tese já está firmada, caberá ao juiz simplesmente segui-la ou, se for o caso, demonstrar que ela efetivamente não se aplica ao caso concreto.

VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.[3]

Da mesma forma que o magistrado deve lançar as razões pelas quais aplicou determinado entendimento ao litígio posto sob sua apreciação, também deve justificar a inadequação de precedente, súmula ou jurisprudência quando a parte a invocar como forma de subsidiar o seu pleito. Se, por exemplo, a parte invoca um precedente vinculante e o juiz entende que ele não se aplica ao caso concreto, deve, de forma fundamentada, demonstrar que a situação fática apresentada é distinta daquela que serviu para o precedente.

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Fonte: Portal IED