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A situação é corriqueira: quando a polícia prende alguém em flagrante, também costuma apreender os bens que estavam com o agente para averiguação. Na maioria das vezes, apreende-se o aparelho celular e quando não há dispositivo de bloqueio nele, os policiais acessam para verificar o conteúdo. O que acontece quando aberto o Whatsapp e visto que as mensagens realmente comprovam o crime pelo qual ele foi preso?

Em continuidade ao roteiro policial, as mensagens são transcritas pelo escrivão e juntadas ao Inquérito Policial, em forma de certidão, sendo fundamentadas as diligências na forma do art. 6º, II, III e VII, do CPP:

Código de Processo Penal

Art. 6º Logo que tiver conhecimento da prática de infração penal, a autoridade policial deverá:II – apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais;III – colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias;VII – determinar, se for o caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias;

Considerando que os elementos acima narrados, as mensagens do Whatsapp, serviram de base para que o Ministério Público oferecesse denúncia contra o agente pela prática de uma série de crimes. Consideremos duas teses.

A tese de defesa: os elementos colhidos são nulos, haja vista que após a apreensão do celular a polícia teria que requerer ao juízo autorização para consultar o conteúdo do aparelho. Como não o foi, as provas colhidas devem ser declaradas nulas, pois são ilícitas (AVENA, 2017), e desentranhadas do processo.

As teses de acusação: a autoridade policial agiu no seu cumprimento legal, tomando as providências previstas no art. 6º do CPP (1ª tese), assim como os dados constantes do aparelho não encontra o mesmo impedimento da interceptação telefônica, tendo-se em vista que a lei não protege os dados constantes do aparelho (2ª tese).

Qual tese prevalece?

A tese de defesa. Vejamos o que diz o STJ:

STJ – 5ª turma – RHC 67-379-RN, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 20/10/2016 (info 593)

Na ocorrência de autuação de crime em flagrante, ainda que seja dispensável ordem judicial para a apreensão de telefone celular, as mensagens armazenadas no aparelho estão protegidas pelo sigilo telefônico, que compreende igualmente a transmissão, recepção ou emissão de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza, por meio de telefonia fixa ou móvel ou, ainda, por meio de sistemas de informática e telemática

Já havia outro entendimento semelhante pelo STJ:

STJ – 6ª Turma – RHC 51.531-RO, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 19/4/2016 (Info 583)

Sem prévia autorização judicial, são nulas as provas obtidas pela polícia por meio da extração de dados e de conversas registradas no whatsapp presentes no celular do suposto autor de fato delituoso, ainda que o aparelho tenha sido apreendido no momento da prisão em flagrante.

O acesso aos dados de celular e às conversas de Whatsapp representa uma devassa de dados particulares e ocasiona uma violação à intimidade do agente. Por essa razão, para que o acesso fosse possível e lícito, seria necessária a, conforme reza o art. 3º, da Lei nº 9.472/97 (CAVALCANTE, 2017):

Art. 3º – O usuário de serviços de telecomunicações tem direito:

V – à inviolabilidade e ao segredo de sua comunicação, salvo nas hipóteses e condições constitucional e legalmente previstas;

A conversa mantida pelo Whatsapp constitui forma de comunicação escrita e imediatada entre os interlocutores e, caso seja acessada sem autorização judicial, representa interceptação não autorizada de comunicação. O Marco Civil da Internet (Lei nº 12.695/14) também protege a privacidade do usuário (JESUS, 2014):

Art. 7o O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos:I – inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

II – inviolabilidade e sigilo do fluxo de suas comunicações pela internet, salvo por ordem judicial, na forma da lei;

III – inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial;

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Referências bibliográficas

  • AVENA, Norberto. Processo penal: 9. São Paulo: Editora Forense, 2017.
  • CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Principais julgados do STF e STJ comentados: Salvador: JusPodivm, 2017.
  • JESUS, Damasio De. Marco civil da internet: comentários à lei n. 12.965, de 23 de abril de 2014: São Paulo: Saraiva, 2014.

Escrito por: Denes Menezes

Fonte: Jusbrasil