A “Comissão de Assuntos Sociais” aprovou, por unanimidade, o Projeto de Lei do Senado nº 14/2017, que concede garantia de emprego pelo prazo mínimo de um ano ao segurado da Previdência Social com câncer que receber auxílio-doença, contada ao término do recebimento do benefício. A proposta deve seguir para a Câmara dos Deputados.
O autor do projeto, Senador Eduardo Amorim (PSC-SE) argumentou que a pessoa acometida pelo câncer “já passa por um momento difícil da sua vida e não deveria ter mais um sofrimento com a perda do emprego”.
Todos que já tiveram pessoas doentes na família sabem de como essa fase é complicada. O câncer é especialmente difícil, às vezes debilitando a pessoa que amamos de uma forma muito triste e até mesmo chocante, e em curtíssimo tempo. É uma batalha muitas vezes desumana, mas que, ainda assim, com os avanços da medicina, cada vez mais acaba com resultado feliz.
Mas esse resultado feliz quase nunca significa que a pessoa retornará completamente à vida normal. Pelo menos acompanhamentos mais ou menos constantes deverão ser realizados ao longo da vida, por questão de controle da doença.
Isso tende a gerar uma diminuição de capacidades ou de produtividade do trabalhador. Evidente que isso só poderá ser aferido no caso a caso, observando tanto a doença quanto o efetivo trabalho que desempenha, mas não há como ignorar que é uma tendência.
Tanto o é que os portadores de câncer (neoplasia maligna) nunca são considerados efetivamente “curados”, embora popularmente se diga isso. O acompanhamento da doença, de forma geral, sugere que ela está apenas “controlada”. E é justamente esse entendimento que, do ponto de vista jurídico, outorga aos portadores de câncer isenções de Imposto de Renda, por exemplo.
O relator desse Projeto de Lei, Senador Paulo Paim (PT-RS), discorda de minha opinião e, no seu parecer, registrou, dentre outras coisas, que “A dispensa injustificada, além de representar um ato discriminatório, pode ocasionar nesse trabalhador sérios transtornos, como o de levá-lo a desenvolver uma depressão profunda. Esse projeto corrige, portanto, grave lacuna de nossa legislação trabalhista tendo em vista que o trabalhador apto para o retorno às atividades tem iguais condições de produzir e de contribuir para a empresa”.
Ora, se o trabalhador que teve câncer tem “iguais condições de produzir e contribuir para a empresa”, por que diabos precisa de uma legislação que lhe garanta estabilidade? Se as condições são iguais com as dos trabalhadores que não tiveram doença, como afirma o senador, a dispensa não é discriminatória, mas apenas uma opção da empresa, que chegou à conclusão de que precisaria dispensar alguém dentre dois ou mais trabalhadores igualmente produtivos.
A argumentação do parecer é contraditória e, caso houvesse discriminação efetiva, isso deveria ser apurado por esse simples fato, não havendo uma presunção de má-fé em se demitir um empregado que teve câncer, ainda mais no abismo em que se encontra a economia do país.
Enfim, a garantia de estabilidade imposta às empresas em relação ao trabalhador acometido por câncer se torna mais um fator de risco empresarial e, caso se torne lei, será certamente levado em conta nos processos seletivos, como forma de evitar prejuízos nas escolhas.
Quem tenderá a ser mais prejudicado? Os mais velhos, certamente. Já está caindo no conhecimento comum, por exemplo, que “Basta ao homem viver para ter câncer de próstata”. Ou seja: quase todos os homens tenderão a ter câncer de próstata e os que não desenvolverem a doença não o farão porque morrerão antes por alguma outra causa.
Diante dessa nova norma, as empresas se animarão a contratar homens acima dos 40 anos?
O desemprego em idade mais avançada tem sido um dos maiores problemas sociais brasileiros. Essa nova legislação, se efetivamente vier, vai melhorar ou piorar a situação?
O projeto é ainda lacunoso, ao dispor um tempo “mínimo” de um ano de estabilidade. Como será aferido o tempo correto no caso a caso? Haverá critérios? O empresário poderá ainda ficar a mercê de uma regulamentação que não seja feita sequer por lei, mas por Decreto do Poder Executivo, sem passar pelo Senado e Câmara, órgãos legislativos.
Fato é que hoje já existe uma certa preocupação na contratação de mulheres em idade fértil, pois a gravidez gera estabilidade e ocasiona afastamento do serviço entre quatro e seis meses, se não houver nenhuma situação decorrente que ocasione o auxílio-doença. No caso em tela, a estabilidade será de “no mínimo” um ano.
Não há dúvidas de que o Estado, ao intervir nas relações particulares virá a gerar ainda mais dano social, ocasionando o reverso do que alega pretender.
Como se sabe, estamos com o maior nível de desemprego histórico. E isso porque nessas estatísticas só entram as pessoas que estão desempregadas e que procuraram emprego no último mês. O nível de desocupação e desemprego, então, é com toda evidência muito superior ao que é divulgado, em uma daquelas fraudes estatísticas às quais já estamos acostumados.
Ainda assim, mesmo para nossas estatísticas fajutas é, historicamente, o maior. E o é em razão de as empresas estarem melhor ou pior das pernas? Mesmo para aqueles que têm a visão estereotipada do empregador malvado, acha que ele está demitindo alguém que já estava em sua empresa para ter mais lucro ou para tentar salvaguardá-la como um todo?
Não há dúvidas de que se deve amparar os necessitados, mas o Estado chama para si esse “dever”, nominalmente, mas, na prática, faz a cortesia com o chapéu alheio, entregando ao terceiro o dever de arcar com os infortúnios dos outros.
Não que eu achasse justo, mas me surpreenderia positivamente se o Estado editasse uma lei que outorgasse isenção tributária às empresas cujos sócios tivessem câncer, pelo prazo “mínimo” de um ano, pois, veja só, também são pessoas e sofrem com os mesmos desgastes e incertezas durante o período de doença e no que vem depois dele.
Seria importante para a empresa não quebrar e, acompanhando o que citou o Senador Eduardo Amorim (PSC-SE), no início, poderia se dizer que “o empresário já passa por um momento difícil da sua vida [com a doença] e não deveria ter mais um sofrimento com a perda do emprego. Ou fechamento de sua empresa”. Será que vão fazer algo assim? Estou esperando para ver.
A verdade é que se não houvesse lei alguma nesse sentido, possivelmente uma pessoa que tivesse câncer no desempenho de seu emprego poderia ser mantida nos quadros de uma empresa saudável, até mesmo por caridade, se o empregador tivesse essa condição. Agora, os exames admissionais e a idade barrarão liminarmente muita gente, que não terá nem a chance de ser conhecida e de receber essa mão estendida. A porta simplesmente lhe será batida na cara antes que se crie uma história ou um vínculo.
Mas, como dizem, “nada é tão ruim que não possa piorar”. E o Estado costuma ser perito nisso.
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Escrito por: Bruno Barchi
Fonte: Jusbrasil