Visa analisar o grau de importância e a aplicação da jurisprudência como uma das fontes jurídicas no Direito brasileiro.
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Pode-se extrair um elemento positivo na divergência jurisprudencial: trata-se da prerrogativa dos magistrados de formarem seu livre convencimento, ditando novos rumos à exegese legal (interpretação profunda) sempre que confrontados com novo contexto fático, evitando-se, assim, a estagnação do Direito.
Como fonte do Direito, ainda que material e não formal, a jurisprudência impediria que o Direito ficasse „engessado‟, imóvel, causando a separação entre a lei e o Direito que existe na vida real. A jurisprudência tentaria diminuir, nesses casos, a distância entre a lei e a justiça.
Stammler diz que: “um burocrata, um homem bom e leal que, preocupado com o Direito, não alcança ver nunca a justiça”. (1)
Segundo Stammler, o legislador não pode renunciar, em muitos casos, a formular por sí mesmo a norma aplicável e, no interesse da segurança, vê-se obrigado a fazê-lo, com frequência, de um modo imperativo. Porém, por mais que se esforce em acertar, seus atos levam sempre o selo da falibilidade inerente a toda obra humana: são sempre, por força, imperfeitos. (2)
O juiz que realiza uma justiça individualizada, tende a formar um Direito justo. A lei é igual para todos, mas antes da lei vem o homem e, a lei é feita para o homem e não reciprocamente. Como disse Carnelutti: “o juiz é ao mesmo tempo, mais ou menos conscientemente, juiz das partes e juiz do legislador”. (3)
As idéias de Ehrlich (4) sobre Direito livre, numa investigação jurídica livre, falam que o juiz deve, não só preencher as lacunas da lei, mas também admite a sentença contra a lei (contra legem) se a lei vigente conduzir a resultados injustos. Poder-se-ia, com isso, ingressar no perigo da insegurança jurídica, no entanto uma jurisprudência consistente resolveria este problema dando segurança jurídica aos casos futuros. Mais do que segurança jurídica estaria se buscando justiça pelas soluções éticas, sociais e econômicas que, na compreensão e no âmago da lei, é o que se deve buscar. Afinal o estado, através das mãos do legislador, deve sempre buscar o bem comum. Conforme bem disse Pekelis: “os juízes não obram por graça de Deus, é necessária a mútua ação, mais esclarecida e informada entre juízes o povo, para que estes obrem realmente por vontade da Nação”. (5)
É muito importante frisar que: “a sujeição do juiz à lei, não significa a submissão às palavras da lei, senão ao sentido e ao fim da mesma”. (6)
O juiz deve ter bom senso e sensibilidade para procurar um equilíbrio entre a vontade da sociedade (levando em conta condições morais, econômicas e sociais) e os valores inerentes da segurança jurídica. Isso não significa uma interpretação subjetiva da lei, mas sim buscar o que a lei tem em seu espírito que é a justiça e o que o Direito tem por fim, o bem comum. O magistrado deve buscar a harmonia entre o sistema jurídico legal e os valores da sociedade, aproximando-se muito da teoria tridimensional do Direito de Miguel Reale (7).
Um dos pontos que a jurisprudência se torna muito importante são em casos de litígios que não exista uma norma legislativa clara e definida contra um anseio legítimo da sociedade. O magistrado pode tomar dois caminhos, o mais simples seria de isentar-se, alegando não ser sua jurisdição e transferindo a responsabilidade para o legislador. Há outra maneira, que seria enfrentar o litígio e formular uma decisão, função para a qual foi nomeado. Uma vez decidido, em função do bem comum, estaria também dando subsídios ao legislador para que criasse normas justas de acordo com os valores da sociedade.
Para Spota: “a jurisprudência do bem comum é um dos meios mais poderosos para a investigação, o aperfeiçoamento e o desenvolvimento do bem-estar”. (8) O Direito tem um alto grau axiológico, não podendo correr o risco de cometer injustiças somente levando em conta a segurança jurídica que o “engessamento‟ da lei confere.
Para Spota, o juiz deve, portanto, se não quer merecer aquela qualificação de mero autômato na subsunção da lei ao caso ou espécie judicial, interrogar à vida social e econômica qual é a solução que compõe os graves conflitos que lhe caiba resolver: então a resposta não tardará em sobrevir e a lei não será o abstáculo insuperável para que reine a justiça, pelo menos na generalidade dos casos que, por intermédio do trabalho do advogado, se apresentem a sua decisão. Para isso o juiz deve apartar-se daquelas doutrinas que entendiam que o direito tem de completar-se sobre a base de si mesmo. (9)
O trabalho do advogado, do juiz ao criar jurisprudência estão complementado a lei, não a estão tornando obsoleta, ao contrário, ao reinterpretá-la estão revigorando-a, trazendo-a para o presente, não deixando o Direito petrificar-se, tornando-o mais próximo da realidade da sociedade, enfim deixando a lei mais justa. Como muito bem resaltou Portalis (10), ao mencionar o poder do juiz frente a leis ultrapassadas: “este invisível poder pelo qual, sem estrépito nem comoção, os povos fazem justiça nas más leis, o qual parece proteger a sociedade contra as surpresas sofridas pelo legislador, e ao legislador contra si mesmo”. (11)
O Código de Napoleão (12) foi um enorme avanço ao unificar a fragmentada legislação da época. Tendo vindo logo após a Revolução Francesa, onde o ódio à nobreza era enorme, teve o cuidado de exigir que o juiz fosse a “boca da lei”, isso em função da maioria dos magistrados serem oriundos da nobreza. Não se desejava, portanto, que eles (nobreza) pudesse ter algum poder de criar normas ou de favorecer alguém de sua classe. Deve-se ter sempre em mente que havia um temor muito grande de que a nobreza retomasse o poder perdido em função da revolução. Kelsen (13) também em sua Teoria pura do Direito, concordava com a aplicação direta da lei, sem interpretações. Contra essa tendência veio a escola do Direito livre e, como em quase todos os casos, no início houve excessos. Aos poucos o meio termo foi prevalecendo, nem uma nem outra doutrina estava totalmente certa ou totalmente errada. Chegou-se a um ponto intermediário, que hoje prevalece, onde cabe ao juiz, dentro de certos limites, interpretar a lei dando-lhe um caráter mais justo, buscando na sua essência o que o legislador quis atingir, o bem comum.
É tarefa do legislador buscar a melhor solução aos anseios da sociedade e criar normas que venham solucionar problemas da vida cotidiana, tão certo quanto isso é que a sociedade esta sempre se modificando e o legislador não tem a velocidade suficiente para alcançar essas mudanças, cabe ao Direito ter essa celeridade. Buscar justiça, onde a morosidade traria injustiças, a jurisprudência seria a ferramenta do juiz para “desengessar” a lei, de torná-la atual, não permitindo a “cristalização” do Direito.
O Direito, mesmo quando considerado injusto, ainda é Direito, seria o Direito positivo, não o Direito natural. A norma legal, por conseguinte, mesmo tendo se afastado do seu princípio, continuará sendo considerada norma vigente. O Direito, por não ser estático, logo tomará medidas que tornem essa norma nula ou, ao menos, menos injusta. Para tanto caberia aos magistrados a aplicação de valores atuais para corrigir tais discrepâncias, a jurisprudência oriunda dessa ação seria de importância impar para colocar o Direito, novamente, no rumo da justiça.
A teoria kelseniana, que muito tirou do juiz o poder de avaliar a justiça enquanto valor, permitiu discrepâncias tais como a subida ao poder de tiranos que, utilizando-se da lei vigente, legitimaram seu governo e muitas das atrocidades cometidas, como foi o caso do nazismo alemão e do facismo italiano. Em menor grau, mas rumando na mesma direção e valendo-se de instrumentos semelhantes, poderíamos apontar, na atualidade, o governo “chavista” venezuelano.
A teoria de Kelsen diz que:
Isolar a exposição do direito positivo de toda a sorte de ideologia jusnaturalista em torno da justiça…o direito é um meio, um meio social e concreto e não um fim…é, em essência, um ordenamento para promover a paz…um ordenamento jurídico cujas normas, em regra, se acatam ou se aplicam. (14)
Esse Direito puro de Kelsen (15), que apesar de recheado de boas intenções acabou por se tornar injusto e contra qual vários juristas da atualidade se opõe, entre eles o brasileiro Miguel Reale (16) com sua teoria tridimensional. Spota argumenta que essa injustiça do Direito puro kelseniano deverá ser eliminada, sobretudo pela jurisprudência, que em suas palavras: “ora amplia, ora restringe, ora deforma o texto legal” (17). Spota foi muito feliz ao utilizar a palavra „deforma‟, pois esta tem um significado forte, marcante, no sentido de alterar a forma sem ir contra a lei. A jurisprudência deforma a lei adequando-a a realidade atual, acompanhando as mudanças socio-políticas e econômicas. Com a posição de Spota também concorda Perreau, em seu livro (18).
Achar que o legislador não comete erros, que a lei em si se basta, que ela deve ser seguida cegamente não levando em conta a modificação da sociedade, dos valores envolvidos, ficando-se preso somente ao fato em si e a norma que o regulamenta é, no mínimo, uma acomodação do juiz, quando não chega ser, em alguns casos, uma injustiça. Spota, lembrando autores como Pacchioni, Cornil e Hauriou coloca a jurisprudência como verdadeira fonte do Direito. Cossio não a coloca como fonte do Direito, mas como “um fato axiolólico mais importante de todo o litígio”(19).
Um dos exemplos que se pode dar a respeito da importãncia da jurisprudência na formação do Direito esta no Código Civil da França. Em 1904, cem anos depois de sua instituição, discutiu-se a necessidade de substituição do código. Juristas como Larnaude eram a favor da substituição para evitar a propagação de um código fragmentado e cheio de lacunas, contra essa posição colocou-se Planiol que sustentou que não era necessária tal substituição, defendendo que o Código Civil Francês não havia permanecido „cristalizado‟ e que o legislador, a doutrina e a jurisprudência foram responsáveis, ao longo dos anos, pelo preenchimento das lacunas (20).
Outra leitura da importância da jurisprudência nos faz Josserand, que coloca que ela deve ser muito considerada antes de se pensar em alterar um código:
É verdade que a revisão, a reestruturação ou a reforma de um código, é uma empresa perigosa. Resulta dela, de uma maneira especial, e durante muito tempo, um estado de estancamento e de insegurança, pois ninguém sabe como serão aplicados e interpretados pela jurisprudência os novos textos e, também, um estado de esterilização para a ciência, porque os autores se destinam então a tarefa quase exclusiva de decifrar, de interpretar o novo texto, palavra por palavra, vírgula por vírgula. (21)
O nosso Direito tem mais semelhanças com o Direito consuetudinário que o próprio common law, pois enquanto este fica apegado a casos anteriores, buscando casos anteriormente julgados, antigos e congelados no passado, que se pareçam e se encaixem no caso que esta em discussão, o nosso Direito romano-germânico julga não só pela lei mas pelos valores que dia-a-dia são atualizados, julga pela jurisprudência recente. Nosso Direito não é rígido como o Direito inglês e americano que busca um precedente, muitas vezes longinquo e ultrapassado. Nosso Direito, quando atrelado à jurisprudência apresenta um caráter atual e evolutivo.
Alguns doutrinadores ficam isolados da realidade da coletividade, suas teses tem pouca duração e pouca influência. É sabido que um código de leis não demora muito para ser superado pelos fatos. Esmein (22) disse : “É preciso que a doutrina considere a jurisprudência como seu principal objeto de estudo; não perderá por isso sua originalidade nem sua força; adquirirá, pelo contrário, uma energia rejuvenecida e novas “florações”. (23)
Para Reale, nada mais acertado dizer que a jurisprudência é a matéria-prima sobre a qual tem de trabalhar o escritor e o professor; corresponde a estes estudá-la, sistematizá-la e também guiá-la:pela jurisprudência, porém mais além da jurisprudência, essa deve ser a sua divisa; há lugar nela simultaneamente para uma espécie de clínica jurídica e para o que Gény chama, muito felizmente, a livre investigação científica; o essencial é não trabalhar no vazio ou só pelo prazer de construir axiomas e teoremas jurídicos. (24)
O crescimento em tamanho e em importância do poder judiciário, nas últimas décadas, fez com que a importância da jurisprudência quando comparada as leis tenha aumentado, pois os magistrados vislumbraram a sua importância, enquanto partícipes, na formação do Direito. Desde então o Direito positivo puro vem diminuindo sua importância em favor de um Direito mais moderno, mais ágil, mais ligado aos valores, aspirações e desejos da sociedade, respondendo mais rapidamente as modificações e a evolução da coletividade.
Logo que começou a era dos códigos modernos, época em que dominou a já mencionada teoria kelseniana, os costumes, aparentemente, perderam sua importância.
O Direito consuetudinário deu mostras de que estava ultrapassado. Inicialmente esta pode ter sido a tendência, mas logo notou-se os problemas decorridos de tal doutrina e, seja por obra da jurisprudência, seja pela observação e permeabilização de novos usos, costumes e valores da sociedade o Direito consuetudinário voltou a ter influência nas decisões dos tribunais. Spota diz que: “o Direito do juiz, ou o Direito jurisprudencial é, no fundo, Direito consuetudinário”. (25)
O Estado brasileiro divide-se em três poderes, legislativo, executivo e judiciário. Este tipo de particição dos poderes entende que cabe ao legislativo fazer a lei, ao judiciário julgar a quais fatos devem ser enquadradas e ao executivo cabe aplicá-la coercitivamente. Dessa maneira, para alguns doutrinadores, não é possível aceitar que a interpretação dada por juízes estaria sendo utilizada para formar legislação, uma vez que, no entender desses doutrinadores, o judiciário estaria avançando sobre uma área que não lhe compete.
Ficaria quebrada a harmonia da tri-partição dos poderes tornando-se o judiciário mais forte que os outros poderes, uma vez que esse seria legislador e julgador ao mesmo tempo, colocando em risco alguns princípios constitucionais, como aquele que diz que não se concebe juizo ou tribunais de exceção (26). Pode-se considerar que um juiz poderia, através de sua interpretação, não só criar a lei, mas também aplicá-la. A teoria kelseniana tentou evitar esse tipo de situação, mas outros problemas surgiram dessa doutrina, como mencionado anteriormente.
O certo é que o Direito é dinâmico, esta sempre evoluindo, modificando-se, acompanhando o ritmo das mudanças a sua volta. O Direito é parte da vida, é parte do Estado, confunde-se com ele e, com isso, vem a principal razão teleológica do estado o bem comum.
Quando se fala em jurisprudência pensa-se imediatamente em acórdãos judiciais e os juízes como únicos responsáveis por ela. No entanto ela começa bem antes com um cidadão comum achando que esta sofrendo uma injustiça, recorrendo a um advogado ou ao Ministério Público, estes por sua vez elaboram teses para fazer valer a justiça que consideram mais acertada, se bastasse simplesmente ler a lei, não seria preciso MP ou advogados, bastaria ao juiz estudar o fato e aplicar a lei que a ele coubesse. Não é assim que funciona, é necessário a investigação científica o estudo das mais variadas doutrinas, a ampla defesa, o contraditório, examinar a fundo as minúcias de cada caso, de cada pessoa envolvida, com sua história, sua bagagem de vida.
Para Page, a lei não é a única fonte do direito: uma lei sempre chega tarde. Intervem quando as circunstâncias o exigem e quando os costumes o impõe. O costume, a jurisprudência, a equidade são as verdadeiras fontes reais do direito. É necessário reconhecer a importância que a vida lhes dá. (27)
Miguel Reale (28) sustenta que a efetividade da norma, com a aplicação que é dada pelos órgãos judiciários, é que se lhe atribui poder. Segundo ele, “se uma regra é, no fundo, a sua interpretação, isto é, aquilo que se diz ser o seu significado, não há como negar à jurisprudência a categoria de fonte do Direito”. A jurisprudência jamais poderá originar um Direito em contrariedade a um expresso significado da lei. Poderá, entretanto, atuar nos limites do próprio exercício jurisdicional, que consiste em efetivar a norma valendo-se das regras da hermenêutica jurídica.
CONCLUSÕES
A primazia da lei frente às interpretações do juiz é inegável e inquestionável, é certo também afirmar que a lei não consegue acompanhar e adequar-se, com velocidade suficiente, às mudanças dos valores políticos, sociais e econômicos ocorridas na sociedade. Mesmo contra sua vontade e, longe de ser o ideal, os julgadores ficam obrigados a interpretar a lei e a criar. Tudo isso para levar justas soluções para os casos concretos que surgem à sua frente e não são contemplados com uma legislação que leve a uma solução com justiça. O juiz parte da lei como base e através de uma interpretação criadora a “deforma” (29), faz com que ela se molde e se adapte visando obter um final justo ao caso específico. Repetindo a citação de Alberto Spota sobre a jurisprudência que: “ora amplia, ora restringe, ora deforma o texto legal” (30). Muitas vezes além de fundamentar sua decisão, o juiz se encontra obrigado a justificar sua decisão que esta em desacordo com a legislação vigente.
Hermenêutica jurídica, exegese, interpretação, deformação. Várias são as palavras para tentar descrever o que o magistrado faz ao analisar a lei, seja qual for a palavra escolhida, o fato é que quando isso ocorre está começando a construção, a criação de uma nova norma jurídica que melhor solucionará o caso real em questão, adequando-se a realidade presente, adaptando-se as mudanças e ao dinamismo das transformações sociais, sempre tendo em vista buscar o que é mais relevante à sociedade.
Seja de que maneira se entenda a importância da jurisprudência na formação do Direito: fonte material do Direito, mero fato de valor axiológico, autonomia normativa, fonte formal do Direito, o certo é que ela é o amálgama entre o Direito e a vida jurídica, entre o ideal abstrato da lei e a realidade prática da vida, com suas discrepâncias éticas, sociais e econômicas.
Este amálgama é o que traz segurança jurídica, pois traz rapidez, valor, atualização de princípios, enfim é o que permite transfomar lex em ius, lei em justiça. O juiz é a palavra final do Estado em litígios, é a ele que cabe levar, em última instância o bem comum a sociedade, como na peça Antígona, de Sófocles, cabe a ele levar justiça a coletividade.
O texto da lei, com o passar do tempo, com as modificações naturais de uma sociedade contemporânea dinâmica, vai perdendo seu sentido, o conteúdo que tinha na data de sua criação vai se esvaindo, isso demanda que o juiz, para não deixar que a lei perca seu sentido de justiça, atue como um legislador de casos reais e concretos. As decisões dos juízes e as jurisprudências criadas por estas decisões são fontes do Direito com uma força por demais significativa.
Por mais que a lei se aperfeiçoe ela nunca atingirá a perfeição, pois ela reflete o momento em que foi criada, ela é estática, enquanto a sociedade esta em constante evolução e modificando-se, hoje mais rápido ainda que no passado, em grande parte devido à tecnologia e à globalização, que faz com que as informações, de diferentes culturas e de todas as partes do mundo, sejam presenciadas nas mais distantes e pequenas das localidades. Por isso o juiz não deve ser automático na subsunção da lei, mas sim acompanhar a evolução da sociedade, suas transformações e as novas carências decorrentes.
A jurisprudência opera na brecha, existente entre ius e lex, cabe ao jurista tentar construir, da melhor forma possível, o Direito através dessa lacuna fazendo com que a jurisprudência seja a ponte que conduza corretamente os valores da sociedade, da lei promulgada pelo Estado, à justiça esperada por todos, o bem comum.
Cabe ao juiz seguir os ditames da lei, sempre buscando a justiça social, como aponta a Lei de Introdução ao Código Civil (decreto lei 4657/42), chamada por alguns doutrinadores de ‘lei de introdução às leis’, que diz em seus artigos 4º e 5º o seguinte:
Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
Art. 5º Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.
O Direito não são os belos prédios dos tribunais, a liturgia, a ‘pompa e circunstância’ que fazem parte da magistratura, Direito é vida real, vida de pessoas ansiando pela justiça, na mais ampla e profunda acepção da palavra.
Uma injustiça cometida coloca em cheque a legitimidade do Estado, em vista disto a jurisprudência tem um papel importantíssimo, entre as principais fontes do Direito, evitando que este fique engessado, paralisado no tempo, evita que a inflexibilidade de uma lei cause alguma injustiça, mesmo que seja pela morosidade, uma vez que reformulações ou novas lei demoram para serem feitas, enquanto isso muitas injustiças podem ser cometidas pelo sistema, ainda que apenas uma ocorra, cabe a jurisprudência como fonte jurídica na formação do Direito romano-germânico, flexibilizar, ampliar, restringir ou até deformar a lei, para deixar o Direito mais próximo da sociedade, respondendo a aspiração de quem espera justiça.
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Escrito por: Ernesto Netto
Fonte: Direitonet
Notas
1 STAMMLER, Rudolf. Tratado de Filosofia del Derecho. Tradução da 2. ed. alemã. Madrid: Editorial Reus, 1930 apud BRUTAU, José Puig. A jurisprudência como fonte do direito. Tradução de Lenine Nequete. Porto Alegre: AGE, 1977.
2 Ibidem.
3 CARNELUTTI, Francesco. La Prueba Civil. Tradução da 2. ed. italiana de Niceto Alcalá-Zamora y Castillo. Buenos Aires: Depalma, 1979 apud SPOTA, Alberto G. O Juiz, o Advogado e a Formação do Direito Através da Jurisprudência. Tradução de Jorge Trindade. Porto Alegre: Antônio Fabris, 1985.
4 EHRLICH, Eugen. Fundamentos da Sociologia do Direito. Trad. de René Ernani Gertz. Brasília: Universidade de Brasília, 1986.
5 PEKELIS, Alexander Haim. Jurisprudência del Bien Común: possibilidades y limitaciones. México: Colegio del Mexico, Centro de studios socials, 1945 apud SPOTA, Alberto G. O Juiz, o Advogado e a Formação do Direito Através da Jurisprudência. Tradução de Jorge Trindade. Porto Alegre: Antônio Fabris, 1985.
6 ENNECCERUS, Ludwig; KIPP, Theodor; WOLFF, Martín. Tratado de Derecho Civil. 10. ed. Trad. Blas Pérez Gonzáles e José Alguer. Buenos Aires: Bosch, 1948 apud SPOTA, Alberto G. O Juiz, o Advogado e a Formação do Direito Através da Jurisprudência. Tradução de Jorge Trindade. Porto Alegre: Antônio Fabris, 1985.
7 REALE, Miguel. Estudos de Filosofia e Ciência do Direito. São Paulo: Saraiva, 1978.
8 SPOTA, Alberto G. O Juiz, o Advogado e a Formação do Direito Através da Jurisprudência. Tradução de Jorge Trindade. Porto Alegre: Antônio Fabris, 1985.
9 Ibidem.
10 Portalis levou ao extremo a idéia de que o Direito simplesmente decorria do texto legal, ao proclamar que não ensinava o Direito Civil, mas o Código Civil francês de 1804.
11 DEPAGE, Henri. Traité Élémentaire de Droit Civil Belge. Bruxelas: Bruyant, 1962. Apud apud SPOTA, Alberto G. O Juiz, o Advogado e a Formação do Direito Através da Jurisprudência. Tradução de Jorge Trindade. Porto Alegre: Antônio Fabris, 1985.
12 Código Civil Napoleônico, 1804.
13 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução por João Batista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1999 apud SPOTA, Alberto G. O Juiz, o Advogado e a Formação do Direito Através da Jurisprudência. Tradução de Jorge Trindade. Porto Alegre: Antônio Fabris, 1985.
14 KELSEN, Hans. Derecho y Paz em las Relaciones Internacionales. Trad. de F. Costa. México: Fondo de Cultura Econômica, 1943 apud SPOTA, Alberto G. O Juiz, o Advogado e a Formação do Direito Através da Jurisprudência. Tradução de Jorge Trindade. Porto Alegre: Antônio Fabris, 1985.
15 Ibdem.
16 REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
17 SPOTA, Alberto G. O Juiz, o Advogado e a Formação do Direito Através da Jurisprudência. Tradução de Jorge Trindade. Porto Alegre: Antônio Fabris, 1985.
18 PERREAU, E. H. Technique de la Jurisprudence em Droit Prive. Paris: Libr. des Sciences Politiques & Sociales, 1923 apud SPOTA, Alberto G. O Juiz, o Advogado e a Formação do Direito Através da Jurisprudência. Tradução de Jorge Trindade. Porto Alegre: Antônio Fabris, 1985.
19 COSSIO, Carlos. El Derecho em el Derecho Judicial. Buenos Aires: G. Kraft, 1945 apud SPOTA, Alberto G. O Juiz, o Advogado e a Formação do Direito Através da Jurisprudência. Tradução de Jorge Trindade. Porto Alegre: Antônio Fabris, 1985.
20 PLANIOL .Comentário extraído de Inutilité d’une révision générale du Code civil (Le Code civil, 1804-1904, livre du centenaire) apud SPOTA, Alberto G. O Juiz, o Advogado e a Formação do Direito Através da Jurisprudência. Tradução de Jorge Trindade. Porto Alegre: Antônio Fabris, 1985.
21 JOSSERAND, Louis. Derecho Civil. ed. rev. por Brun e trad. por Cunchillos e Manterola. Buenos Aires: Bosch, 1950 apud SPOTA, Alberto G. O Juiz, o Advogado e a Formação do Direito Através da Jurisprudência. Tradução de Jorge Trindade. Porto Alegre: Antônio Fabris, 1985.
22 Adhemar Esmein: Jurista francês (1848-1913).
23 Idem nota de rodapé nº 39.
24 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 20. ed. São Paulo, Saraiva, 1993.
25 SPOTA, Alberto G. O Juiz, o Advogado e a Formação do Direito Através da Jurisprudência. Tradução de Jorge Trindade. Porto Alegre: Antônio Fabris, 1985.
26 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Art. 5º, inc. XXXVII.
27 DEPAGE, Henri. Traité Élémentaire de Droit Civil Belge. Bruxelas: Bruyant, 1962 apud SPOTA, Alberto G. O Juiz, o Advogado e a Formação do Direito Através da Jurisprudência. Tradução de Jorge Trindade. Porto Alegre: Antônio Fabris, 1985.
28 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 20. ed. São Paulo, Saraiva, 1993 apud KIETZMANN, Luis Felipe de Freitas. Da uniformização de jurisprudência no Direito.brasileiro. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8701>, acesso em 01/06/2010.
29 Usada de maneira positiva e elogiosa em relação à jurisprudência, a palavra “deforma”, foi usada por Alberto Spota no sentido de alterar a forma sem ir contra a lei. (ibdem nota de rodapé nº 51).
30 SPOTA, Alberto G. O Juiz, o Advogado e a Formação do Direito Através da Jurisprudência. Tradução de Jorge Trindade. Porto Alegre: Antônio Fabris, 1985.