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Da usurpação de direitos e Princípio da Ampla Proteção.

O presente trabalho tenciona de forma simples, discutir algo que ocorre e se amplia de forma silenciosa à margem da sociedade, algo que não se noticia: A recusa de punição quando da violação de normas dispostas em lei, primordialmente nas relações de consumo onde vemos estarrecidos a retiradas dos direitos de quem foi violado, ignorado, negligenciado e, ao socorrer-se da Justiça se vê mais uma vez aviltado.

A alegação infame do “Mero Aborrecimento”. Acertada a assertiva (cujo autor agora não me recordo) que diz:

De mero aborrecimento em mero aborrecimento enfarta-se!”

Tal citação tem validade no número elevado de sentenças que deixam de arbitrar o valor que se deve como punição quando da ocorrência da lesão comprovada, ou sua retirada em sede recursal. Todos esses atos têm a mesma evasiva fundamentação – Mero Aborrecimento

Afinal, a vítima de um crime, ato ilícito deveria ser privada da devida reparação? O agente culpado deve receber a impunidade? Tal pergunta requer uma análise mais profunda.

Em observação a diversos posicionamentos advindos do Judiciário se verifica uma forte distorção no que tange ao arbitramento da reparação por lesão ao direito. Muitas vezes as lesões se dão in re ipsa e ainda assim não são analisadas de forma objetiva, bem como não há análise do caso em concreto com suas particularidades.

Tomemos o direito do consumidor como exemplo.

Há algum tempo vemos graves distorções na aplicação da lei nas relações consumeristas; consiste em dizer estar o Judiciário em franca campanha de enfraquecimento na proteção que se deve dar à parte vulnerável desta relação, que não é o fornecedor de produtos e serviços.

Em sede de juizados, onde deveria haver uma maior sensibilidade nesta área do direito, vemos um desmantelamento grande e veloz; uma deturpação a quem se deve proteger e sua adequação nas hipóteses apresentadas.

Quando deixa de arbitrar valor à lesão, quando se “entende” não haver forte evidência de ter a dignidade humana, sofrido ofensa capaz de ensejar a concessão desta indenização o julgador reitera a conduta que levou à propositura da demanda.

Esquecem de observar que não há no Direito do Consumidor a necessidade de ofensa tão insuportável quanto às que os magistrados pretendem ver para agraciar as vítimas com algo que é inerente à conduta prevista como ilícita nos diversos diplomas legais.

É visível que no Brasil, a proteção ao consumidor esteja falindo a passos gigantescos, havendo uma mitigação de interesses obscuros que vêm a proteger o agente causador da lesão que se pretende ver reparada e/ou minorada.

Adeptos de forma tácita das correntes que não admitem a correição da indenização por danos extrapatrimoniais com a justificativa de que além de impossível mensurar valor em pecúnia de forma a ressarcir a vítima em seu sofrimento não financeiro, seria até mesmo “imoral” que se queira “lucrar” com seu próprio sofrimento. Em razão disso aqueles que não respeitam a lei e as normas, bem como o senso comum de preservação da ordem, recebem um passe livre para praticar atos delituosos com o prêmio da impunidade.

Não podem restar dúvidas de que ao dedicar dias e até mesmo meses a tentativas inúteis de resolução administrativa e amigável sem nenhum interesse da empresa fornecedora de produtos ou serviços defeituosos, a vítima que recorre ao judiciário merece mais contraprestação além do mero cumprimento contratual forçado, eis que depois de todos os trâmites é inafastável que o réu sofra pela sua conduta e sua escolha com a incontroversa má fé.

Merece o jurisdicionado um Judiciário que olhe para a situação e ocorrendo lesão ao direito além de prover a solução para o problema originário, se ainda couber providência, punir o agente causador da lesão.

Observe-se a utilização do termo “punir”; isso é outro objetivo que vemos esquecidos nas demandas consumeristas onde deve incidir danos morais. Enquanto os julgadores mantiverem a ideia de que se trata de “enriquecer indevidamente a vítima” – vítima de lesão – vão causar cada vez mais prejuízo àquele consumidor.

Não se trata de “dar” dinheiro e sim de punir, ensinar àquele que causa lesão acerca da inadequação em sua conduta, trazer o mesmo de volta à aplicação das normas legais e evitar a reincidência. Daí o termo “punitivo-pedagógico”. O valor revertido à vítima é compensação oriunda da violação de seu direito que, repercutindo ou não em sua esfera íntima e em sua dignidade, lhe é devido.

A parte prejudicada não poderá voltar ao status em que se encontrava antes da ilegalidade cometida. A turbação da ordem, a alteração de sua rotina na procura de resolução, a necessidade de propor ação por si já têm o caráter de acarretar punição ao responsável. Retira-se a paz, a tranquilidade e o curso natural dos dias das vítima por inércia e desinteresse? Precisa sentir que tal conduta, em um Estado de Direito não será tolerada.

Por causa do que se convencionou chamar de “Mero aborrecimento”, “banalização e/ou industrialização do dano moral”, pessoas que realmente, comprovadamente sofreram algum tipo de abuso e lesão a direito dado a ela, taxativamente, em lei não estão recebendo o tratamento justo.

Consumidores idosos, mesmo tendo a prerrogativa de receber maior atenção no CDC, quando uma violação ocorrer contra pessoa idosa – artigo 76, a CDC, na prática é tratado como todos. O princípio da isonomia por mais contraditório que venha a soar, não se aplica de forma irrestrita, pois devemos tratar os desiguais na medida de suas desigualdades. Mas em todos os casos em que vemos uma vítima idosa, até mesmo a prioridade na tramitação não passa de letra morta.

Entendimentos, enunciados proferidos em Tribunais que estão em claro confronto com a lei vigente dificultado o acesso à justiça, são um grande empecilho na busca do direito. Não se pode admitir termos um judiciário legislando.

Embora tenham os julgadores a prerrogativa e liberdade para a interpretação legal, não podem os mesmos restringir e mesmo retirar direitos DADOS, CONCEDIDOS nos diplomas legais.

Não se pode, por exemplo, retirar a devolução em dobro quando o consumidor se viu compelido a pagar valor comprovadamente indevido. O artigo 42 é taxativo e os Tribunais, notadamente no Rio de Janeiro, vêm se recusando a dar a dobra e quando o juízo a quo o faz, tal dobra é frequentemente retirada em sede recursal.

DA NECESSIDADE DE REPARAÇÃO ANTE À FRUSTRAÇÃO NA RESOLUÇÃO

Ao ouvirmos um juiz declarar que não houve ocorrência de danos morais em um determinado caso, às vezes considerando o valor pecuniário da lesão, ou ao que se outorgam o direito de considerar menos importantes, estamos diante da negativa do direito. Não é justo para com o jurisdicionado receber apenas a contraprestação que buscou na seara administrativa. Se, diante do erro de uma empresa, e da negativa da mesma na composição o consumidor se vê compelido a buscar no judiciário o socorro que a LEI confere não se pode negar ter havido modificação do status quo do mesmo.

Se houve uma aquisição de produtos ou serviços, e há apresentação de vícios, negativa de resolução por tempo muitas vezes prolongado é absurdo que somente se conceda o que deveria ter desde o inicio. Obviamente a seara pessoal foi invadida; ter que procurar representação, ingressar em juízo esperar uma audiência e o provimento que em nada tem de célere, outro termo sem uso na realidade judiciária, causa agravamento da situação original, anterior à lesão. Embora óbvio tal argumento está em ostracismo.

Preocupam-se tanto em demonizar o dinheiro que consideram quase uma blasfêmia um consumidor com seu direito corrompido querer “lucrar às custas da própria tragédia”. Razoabilidade não implica em condenações irrisórias que são uma carta branca para lesionar, gerando confiança na impunidade.

As contestações genéricas, a negligência das empresas em relação a seus clientes não é analisada. O consumidor por sua vez é colocado sob um microscópio.

Aqueles que realmente querem se locupletar de direito que não possuem podem ser facilmente identificados. Os casos geralmente não têm provas, sequer de mera aparência.

No entanto esta não é a regra. Advogados especializados em Direito do Consumidor fazem verdadeira triagem e verificação de causa real, da existência de uma violação; exigem provas das alegações.

Devemos aceitar que nosso sistema econômico trabalha de forma a gerar o maior lucro possível ao produtor e fornecedor, precarizando os serviços e a produção dos bens para diminuir os custos, mas nunca o valor de venda. Não há um treinamento de excelência no atendimento ao cliente onde abundam e substanciam reclamações. Não se responsabilizam ante à defeitos ou atos ilícitos notórios ou incontroversos, não resolvem problemas simples em que pese a reiterada tentativa pelo consumidor.

Essas práticas, como é notório, violam continuamente – agora, mais do que nunca com a chancela do Judiciário – os princípios da boa-fé e da probidade (art. 422 CC), bem como violenta a função social do contrato (art. 421 CC).

“Assim o Código de Defesa do Consumidor representa uma norma jurídica de elevado alcance social[1], criada pelo legislador constituinte para resgatar a dignidade da pessoa humana nas relações de consumo”.

Não é punindo consumidores, aplicando todo um esforço para dificultar o acesso à justiça; “criando” núcleos de conciliação que deixam os mesmos em posição de falsa igualdade perante o fornecedor, quando em verdade vão ter seu direito mitigado e receberão somente, na maioria das vezes, o cumprimento do contrato – que deveria ter sido feito de forma adequada quando de sua celebração – sem que isso cause nenhuma resistência no agente lesivo. Quando muito a compensação que seria devida é tão irrisória que sequer se faz sentir, incentivando ainda mais a prática delitiva.

“As relações de consumo têm propiciado uma gama incomensurável de danos materiais e imateriais aos consumidores, em virtude de reiterados abusos de direitos comerciais por empresários e empresas nessas relações”.[2]

Assim temos o artigo 6º, inciso VI, do CDC, “a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”.

Desta forma, verificamos ter o legislador duas intenções: a primeira, com o nítido propósito de prevenir a ocorrência de danos; e a segunda, com a finalidade de que haja uma efetiva reparação de prejuízos.

Tema para outro artigo é a TEORIA DO RISCO que está presente nas relações de consumo, que preconiza ser o criador do risco, o responsável a quem cabe assumir as consequências do comportamento errático e/ou ilícito.

A ampla proteção, intenção máxima que preconiza o CPC tem sido relativizada, esmagada e “negociada” o que não se pode aceitar.

Mero aborrecimento? Uma falácia que precisa ter fim. Ou é para todos ou para ninguém.

  • É mero aborrecimento quando um consumidor vulnerável realiza compra de bem especial, por exemplo, o mesmo apresenta defeito ou atrasa em demasia, bem como pode não ser entregue espontaneamente?
  • A vítima vendo suas tentativas de resolução administrativas sendo inúteis se socorre do judiciário que não deixa de aplicar a punição que se impõe, viola novamente aquele consumidor.
  • A indenização quando ocorre é tão pífia, quanto ofensiva e sem o caráter punitivo-pedagógico.
  • Alegação de enriquecimento ilícito ou sem causa que esvaziado de embasamento legal, visa à proteção do patrimônio do agressor quando na verdade o enriquecimento sem causa é auferido pelo fornecedor.
  • Mas não é enriquecimento ilícito quando se trata de magistrados ou seus correlacionados, que recebem sempre altos valores para decisões acerca da mesma matéria e nível de violação que negam aos demais.
  • Seria o juiz, enquanto agente público, compulsoriamente mais “sensível” não podendo suportar as agruras do cotidiano? Este critério se aplica somente para o consumidor?

Em conclusão não existe “MERO ABORRECIMENTO” quando da ocorrência de violação a direito, inexiste a “Indústria do Dano Moral”. Se o magistrado pretende retirar esse direito dos consumidores que dê o exemplo e não mais requeira esta reparação em suas ações de consumo.

 

Escrito por: Amanda Cunha

Referencias:

[1] REYS, Clayton. Dano Moral, 5ª edição ed. Forense.

[2] REYS, Clayton. A Incidência do Dano Moral nas Diversas Relações, 5ª edição ed. Forense

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Direito do Consumidor – 4ª Ed. 2014 – Saraiva