Escolha uma Página

Nos últimos dias, presenciamos conversas gravadas sem consentimento de um dos interlocutores sendo utilizadas como lastro probatório em acordos de colaboração premiada.

No cotidiano da advocacia, você, como defensor, pode ser procurado por cliente que, prevendo uma situação futura de litigância ou não, registrou uma conversa com vistas a utilizar seu conteúdo para defender seus interesses de alguma maneira.

Com os adventos tecnológicos vários, isto se tornou cada vez mais comum e a utilidade é infinita.

Mas será que é irrestritamente lícito gravar conversas e utilizar esta mídia para os mais variados fins? E será que dá na mesma registrar uma comunicação sem o consentimento de um dos interlocutores ou, na posição de terceira pessoa, gravar uma conversa sem o consentimento de nenhum dos envolvidos?

Certamente, a resposta é não. De pronto, adianto que a relevância jurídica dispensada aos casos pode variar bastante.

A gravação clandestina se dá quando um dos interlocutores faz a gravação sem o consentimento de ao menos um dos interlocutores ou manda que terceiro o faça. Neste último caso, há quem denomine por escuta.

Costumeiramente, a gravação clandestina diz respeito à gravação das comunicações por telefone e à gravação ambiental.

Não obstante, a gravação meramente clandestina (ou mesmo a escuta) não se confunde com a interceptação telefônica, que só terá lugar nos casos previstos no artigo 5º, XII, da Constituição Federal, ou seja, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

Portanto, captar as comunicações de alguém com terceiro, sem conhecimento de quaisquer deles, só tem lugar nas hipóteses prescritas em lei e com ordem judicial.

Neste especial, o entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, vias do HC 161.053-SP:

Cumpre diferenciar as diferentes espécies de interferência nas comunicações telefônicas. A interceptação telefônica é a captação de conversa feita por um terceiro, sem o conhecimento dos interlocutores, que depende de ordem judicial, nos termos do inciso X do artigo 5º da Constituição Federal. Por sua vez, a escuta é a captação de conversa telefônica feita por um terceiro, com o conhecimento de apenas um dos interlocutores, ao passo que a gravação telefônica é feita por um dos interlocutores do diálogo, sem o consentimento ou a ciência do outro. A escuta e a gravação telefônicas, por não constituírem interceptação telefônica em sentido estrito, não estão sujeitas à Lei 9.296/1996, que regulamentou o artigo 5º, inciso XII, da Carta Magna, podendo ser utilizadas, a depender do caso concreto, como prova no processo.

Pois bem, de tudo extraímos que a interceptação telefônica só é permitida nos casos e na forma regulada por lei, e que a gravação clandestina e a escuta, por não corresponderem ao instituto anterior, podem ser utilizadas como prova. Ao menos, como regra.

Em 2009, o Supremo Tribunal Federal, por meio do Recurso Extraordinário nº 583.937, deu repercussão geral ao tema e assentou o entendimento no sentido de que

não há ilicitude alguma no uso de gravação de conversação telefônica feita por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, com a intenção de produzir prova do intercurso, sobretudo para defesa própria em procedimento criminal, se não pese contra tal divulgação, alguma específica razão jurídica de sigilo nem de reserva, como a que, por exemplo, decorra de relações profissionais ou ministeriais, de particular tutela da intimidade, ou doutro valor jurídico superior. A gravação aí é clandestina, mas não ilícita nem ilícito é seu uso, em particular como meio de prova.

Como se vê, o Supremo entendeu ser possível a gravação clandestina, mas não de maneira absoluta. Os limites do entendimento adotado vêm justamente quando a conversa gravada tem manifesto fim de induzir e flagrar o cometimento de um crime pelo interlocutor gravado.

Se por um lado pode a gravação clandestina feita por um dos interlocutores ser utilizada para defesa própria (com a ressalva dos misteres profissionais e ministeriais), por outro não se admite a preparação de armadilhas para incriminação de outrem.

Nos casos atuais e de maior representatividade, discute-se exatamente isso.

Na ocorrência julgada pelo STF em 2009, o interlocutor que procedeu à gravação clandestina estava na posição de réu em processo criminal e lançou mão da gravação ante o estado de necessidade.

Nos eventos de delação premiada que assistimos, sustenta-se que colaboradores planejaram as situações e o rumo das conversas gravadas, não apenas para se beneficiar do valor das informações levadas às autoridades, mas incriminando seus interlocutores.

Nestes casos em que o interlocutor procede às gravações de suas conversas no intento de incriminar o outro participante, a licitude da gravação e seu uso pode cair por terra.

Não pela clandestinidade, mas pelo viés incriminador que, por sua vez, remontaria ao cenário de um flagrante preparado e crime impossível (Enunciado de Súmula nº 145 do STF).

O presente ensaio é demasiado breve para dirimir as questões que despontam nesse último caso, mas, diante da controvérsia, é recomendável cautela quando à conversa gravada clandestinamente puderem ser conferidos fins incriminatórios.

 

Escrito por: Amanda da Mata

Fonte: Canal Ciências Criminais