Sou advogado tributarista, convivo com a matéria diariamente e gosto muito desse estudo, por tratar da eterna disputa entre a liberdade do indivíduo e o poder de imposição do grande Estado.
Mas isso nem sempre é visto desse modo. Na verdade, recentemente, uma discussão havida no CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) agitou o noticiário, por parecer uma besteira sem tamanho.
Em 29 de agosto passado o órgão teve a oportunidade de discutir sobre a natureza material dos calçados Crocs. Sim, aquele que todo mundo gosta, mas nem todos têm coragem de usar.
O CARF teve que decidir sobre uma multa imposta à importadora, e isso passava pela discussão de se o Crocs é uma “sandália de borracha” ou um “sapato impermeável”. Qual a relevância disso? A tributação, evidentemente, pois a classificação em um ou outro segmento poderia sujeitar o produto a alíquotas diferentes ou a questões acessórias diferentes, como, por exemplo, a incidência ou não de direitos antidumping, tema central da discussão.
Quando se elabora a tabela de IPI, se faz inúmeras distinções entre produtos, a pretexto de criar uma seleção em razão da essencialidade, critério que a Constituição Federal dá à incidência do IPI, criando as mais diversas categorias.
Não raro ocorre caso igual ao do Crocs. O produto pode, pelas suas características, ser enquadrado em mais de uma categoria. A solução é, na maioria dos casos, realizar uma consulta à Receita Federal do Brasil, para evitar pagamentos indevidos ou recolhimentos a menor.
No caso, a empresa não fez isso, mas realizava a contabilização como sendo “sandálias de borracha”. Em certa ocasião em que importou seus produtos, porém, teve as mercadorias retidas, pois o fiscal aduaneiro entendeu que a classificação correta seria a de “sapatos impermeáveis”. Aliás, depois disso o próprio Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, responsável pela questão dos direitos antidumping, emitiu um parecer dizendo que se tratava de “sapatos impermeáveis”.
Diante disso, a empresa passou a importar dizendo tratar-se de “sapatos impermeáveis”. E o que aconteceu? Em outra importação outro fiscal autuou a empresa dizendo tratar-se de “sandálias de borracha”.
Penso que é essa a parte pouco séria de toda a questão, o quão indiferente é a fiscalização para lidar com questões sensíveis, com o dinheiro e o tempo do contribuinte, emitindo pareceres contraditórios e gerando grave insegurança jurídica. Isso é uma das principais causas do Custo Brasil, mas isso não é culpa do Direito Tributário.
Enfim, o CARF foi chamado a decidir sobre a questão da aplicação da multa e, no final, a afastou, livrando a empresa de ter que pagar pelo “erro” de classificação que “cometeu”. Mas isso, ainda assim, consome tempo e dinheiro da companhia importadora, despesas estas que são passadas aos consumidores.
Podemos pensar que é apenas no Brasil esse tipo de coisa, mas não é exclusividade nossa, mas inerente ao Direito Tributário.
A título de exemplo, em 2009, a Justiça Britânica teve que decidir se as batatas Pringles (aquelas da latinha) eram realmente batatas ou não. A intenção era justamente verificar a incidência do IVA (Imposto sobre o Valor Agregado), semelhante ao nosso IPI ou ICMS, que variaria caso Pringles fosse batata ou salgadinho, o que a empresa alegava ser.
Depois de muitas discussões e provas, o Tribunal definiu que, sim, Pringles é batata e ponto final.
Em meio a essa aparente loucura, mas loucura séria, a melhor notícia é que posso continuar a comer Pringles e dizer que é um produto natural, apenas batata, e não salgadinho. Salgadinho faz mal, batata está ok.
Postado por: Bruno Barchi Muniz
Fonte: Jusbrasil