Uma matéria em que o Desembargador Pedro Valls Feu Rosa, da 1ª Câmara Criminal do TJ-ES, lamenta ter que declarar a prescrição de um crime praticado em 1989 tem dado o que falar, refletir e ponderar.
Explicando
O crime que a matéria faz menção, diz respeito ao assassinato praticado em 23 de dezembro de 1989, vitimando o padre francês Gabriel Maire.
No voto feito agora, 28 anos após o fato, ou seja, apreciado no TJ-ES no dia 18 de outubro de 2017, o Desembargador Pedro Valls, atuando como relator no processo 0023600-20.1998.0.08.0035 sem conseguir conter a emoção, fez questão de pontuar que o prazo prescricional só não correria se houvesse outro processo questionando a existência do crime.
Não era o caso em apreço, infelizmente!
Assim, de acordo com legislação vigente, o Desembargador teria, por força de Lei, que declarar a Prescrição!
Em fotos que circularam na mídia, é perceptível o semblante decaído da autoridade, ainda mais por ter exemplos similares que acometeram parentes próximos dele.
Considerei em meu coração:
– Deve ser dureza ter que atuar em causas desta envergadura!
– Eu entendo o senhor, Excelência!
– Não só entendo; como igualmente compadeço-me da ‘peça’ que a vida lhes pregou.
Experiências Negativas e Marcantes
Curiosamente, a autoridade julgadora, na sua trajetória existencial, precisou amargar experiências similares ao caso que agora chegara às suas mãos: Um tio do Desembargador foi assassinado em 1990 e, seis anos depois, outro parente também teve igual destino.
É de lamentar não só as irreparáveis e dolorosas perdas, como o arquivamento de ambos os casos em face da Prescrição!
Durma com um barulho destes!
Não deu outra: a emoção invadiu o coração do Dr.Pedro Valls Rosa, que, ao fazer uso da ‘caneta’ , registrou em seu voto:
“Hoje é, pois, um dos dias mais tristes de minha vida! Um dia de negação de minha profissão. De reflexão – e desilusão – sobre meu papel nesta vida. Cá estou, Desembargador de um Tribunal de Justiça, a cuja família o Poder Judiciário abandonou – e de forma vil – por duas vezes, obrigado a infligir idêntica dor à família de um sacerdote cujo único crime foi vir ao Brasil procurar semear o bem!”
Reflexivo, prosseguiu:
Assim agradeceu nossa Pátria a quem aqui chegou trazendo na bagagem não o mal e a cobiça, mas simplesmente uma imensa vontade de ajudar! Porém, não seria esta a indignidade final que nosso país praticaria contra este Sacerdote. Faltava algo. Que ficassem impunes, seus algozes. (…)
Sim, faltava a impunidade mais abjeta para que completa a vingança do mal contra aquele que ousou desafiá-lo. É assim que, decorridos 28 longos anos, recebo a triste tarefa de comunicar à Sociedade que o Poder Judiciário não dará resposta final alguma acerca deste crime. Coube-me o dever humilhante de anunciar que está tudo realmente prescrito.”
Finaliza, pesaroso:
“Fica, assim, decretada a impunidade, digo, a prescrição.”
Comovida com as inquietações existenciais do Desembargador ‘raçudo’, corro ao espelho, contemplo uma senhora de meia idade, cabelos brancos elegantemente disfarçados, rugas insensíveis insistindo em deixar marcas na face (fazendo pouco caso dos ácidos e cremes embelezadores), ligo para um amigo veterano de guerra (advogado das antigas), desabafo com meu ‘psicanalista’ sem título, recebo alento, mas não consolo.
– Preciso de ajuda!
– Algum livro, socorra-me!
– Bradava minha alma, agora, inquieta!
Recorro-me aos livros, encontro, finalmente, o consolo almejado, mesmo que nostálgico, e constato boquiaberta que:
No ano de 1830 as coisas não eram assim!
Sim, o Código Criminal de 1830, mais precisamente em seu artigo 65 dispunha: ” As penas impostas aos réus não prescreverão em tempo algum “.
A Legislação implantada no Código de Processo Criminal admitiu a Prescrição a partir de 1932 e chegamos onde estamos!
– Ufa, que saudade dos nossos ancestrais!
Escrito por: Fátima Burégio
Fonte: Jusbrasil