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O que leva uma pessoa a praticar um crime é uma pergunta que muitos buscam a resposta, sendo que alguns insistem em afirmar que se trata exclusivamente da vontade do agente.

É claro que uma pessoa, ao praticar uma conduta considerada criminosa, agiu com o fim específico de cometer o delito, caso contrário sequer responderia por ele, com exceção de crimes culposos.

Como cediço, a punição, quando falamos de crimes dolosos, necessita da vontade do agente, do animus.

Por exemplo, uma pessoa que mata outra sem ter essa intenção, mas com o objetivo de causar uma lesão, não pode responder por homicídio doloso e sim por lesão seguida de morte, por exemplo. É o que chamamos de animus necandi, ou seja, vontade de matar.

Por isso, afirmar pura e simplesmente que o agente pratica um crime pelo fato de que escolheu praticar um crime é uma resposta por demais simplória para a tão complexa matéria do Direito Penal.

É certo que vários fatores levam uma pessoa a praticar um crime, sejam eles sociais, familiares, psicológicos, morais, econômicos, éticos, emocionais …

Um pessoa que é traída em relacionamento conjugal pode ficar abalada psicologicamente ao ponto de optar em matar o amante do seu companheiro; assim como uma pessoa sem estruturas sociofamiliares sólidas pode escolher pela prática de um roubo; ou alguém que passa por necessidades financeiras e não obtém emprego pode trilhar o caminho do tráfico de drogas.

Antes de prosseguir, preciso deixar claro que essa em hipótese alguma é uma tentativa de justificar a prática de um crime, mas de tentar entender o que pode levar alguém a praticar um crime, o que é bem diferente.

Dito isso, para entendermos melhor o assunto, é preciso analisar os chamados desvios primário e secundário.

Desvio primário, como o próprio nome sugere, é o primeiro crime praticado por um indivíduo, é a iniciação do indivíduo no “mundo do crime”.

Nesse tipo de desvio é impossível afirmar que existe um fator determinante para a sua ocorrência, sendo certo que na maior parte das vezes é um conjunto de fatores, como já dito, de ordem social, familiar, econômica, psicológica, emocional, moral, …, e varia conforme o tipo de crime praticado e o agente que o pratica.

Pode ser por vingança, por paixão, por raiva, por necessidade financeira, por fraqueza, por intenção de obter vantagem econômica fácil, dentre vários outros motivos.

Por isso é tão difícil prevenir a prática de um crime, pois cada um tem as suas “razões” e é praticamente impossível agir nas peculiaridades e no íntimo de cada indivíduo.

O desvio secundário, por sua vez, é aquele em que a pessoa já delinquiu uma vez e torna a praticar outro crime. Só que dessa vez não o faz apenas pelas suas vontades próprias, influenciado pelos diversos fatores pessoais, sociais, econômicos, familiares, …, já citados.

Outros fatores externos contribuem diretamente para o ilícito, principalmente a atuação do Estado na repressão ao crime.

Nesse sentido, tanto a penalidade imposta ao primeiro desvio quanto a reação social modificam a identificação do indivíduo na sociedade e, por consequência, geram nele “uma tendência a permanecer no papel social no qual a estigmatização o introduziu”. (BARATTA, 2011, p. 90)

Dessa feita, o desvio primário refere-se “a um contexto de fatores sociais, culturais e psicológicos, que não se centram sobre a estrutura psíquica do indivíduo”, enquanto aqueles fatores que sucedem a reação social – referente à incriminação e à pena – possuem uma forte influência dos “efeitos psicológicos que tal reação produz no individuo objeto da mesma”, de modo que “o comportamento desviante (e o papel social correspondente) sucessivo à reação ‘torna-se um meio de defesa, de ataque ou de adaptação em relação aos problemas manifestos e ocultos criados pela reação social ao primeiro desvio’”. (BARATTA, 2011, p. 90)

Inclusive, os estudos voltados para o desvio secundário colocam em xeque a função preventiva da pena, em especial o objetivo educativo, mostrando que

a intervenção do sistema penal, especialmente as penas detentivas, antes de terem um efeito reeducativo sobre o delinquente determinam, na maioria dos casos, uma consolidação da identidade desviante do condenado e o seu ingresso em uma verdadeira e própria carreira criminosa. (BARATTA, 2011, p. 90)

Depreende-se, então, que, por meio do desvio secundário, ocorre uma deterioração do criminalizado e do aprisionado, com o foco voltado para o último, sendo,

[…] insustentável a pretensão de melhorar mediante um poder que impõe a assunção de papéis conflitivos e que os fixa através de uma instituição deteriorante, na qual durante prolongado tempo toda a respectiva população é treinada reciprocamente em meio ao contínuo reclamo desses papéis. Eis uma impossibilidade estrutural não solucionada pelo leque de ideologias re: ressocialização, reeducação, reinserção, repersonalização, reindividualização, reincorporação. Estas ideologias encontram-se tão deslegitimadas, frente aos dados da ciência social, que utilizam como argumento em seu favor a necessidade de serem sustentadas apenas para que não se caia apenas num retribucionismo irracional, que legitime a conversão dos cárceres em campos de concentração. (ZAFFARONI & BATISTA, 2003, p. 125-126)

Ao que tudo indica, então, as entidades encarregadas do combate e prevenção das condutas desviantes atuam de forma contrária aos seus objetivos, de modo a, inclusive, alimentar a sua prática, ou seja, muitas daquelas que deveriam “desencorajar o comportamento desviante operam, na realidade, de modo a perpetuá-lo”. (SHECAIRA, 2004, p. 297)

A conclusão que se chega sobre o que leva uma pessoa a praticar crimes é clara: diversos fatores contribuem para a escolha do indivíduo em praticar um crime, desde ordem moral, psicológica, emocional, econômica, social, cultural, …, até mesmo a atuação do próprio Estado na repressão a essas práticas criminosas.

Portanto, a questão é complexa e vai muito além da simples “vontade” do agente.

Escrito por: Pedro Magalhães Ganem
Fonte: Jusbrasil