Escolha uma Página

A historinha de hoje é um strognoff-jurídico que envolve: um recente e importante precedente do STJ (noticiado no informativo 611); o Petrúquio (o neto da Clotilde!); a Dercy Gonçalves (oi?); o Cazuza (sério?); outros temperos sem glúten.

Preciso contar pra você, inicialmente, que o pai do Petrúquio era um mão-de-vaca-total e, também, um defensor ferrenho do meio ambiente. O pai de Petrúquio odiava carros, ônibus, avião e tudo o mais que se movia através de combustível. Ele gostava mesmo era da bicicleta. “É mais barato e ecologicamente correto”, dizia ele.

O Petrúquio, por sua vez, você já conhece. É aquele que ensinou a vovó Clotilde a usar o computador, em troca de bolos de chocolate.

Pois bem. Um dia desses, cedo da manhã, o pai de Petrúquio saiu por aí de bicicleta. O objetivo era comprar brioches e voltar para casa, com eles ainda quentinhos. Porém, no caminho de ida, havia um motorista de um automóvel, que não respeitou o sinal vermelho e “booom”, atingiu, em cheio, o pai de Petrúquio.

Na ocasião, o motorista do automóvel, ao atravessar o sinal vermelho, podia ter agido diferente. Nada o impedia de ter parado diante do aviso do sinal vermelho. Além disso, o motorista do automóvel devia, por força das regras de trânsito, ter parado o veículo, ao avistar o sinal fechado. Portanto, inegável que o motorista do veículo, na ocasião, praticou uma ação imprudente, isto é, culposa.

Alguns minutos depois do sinistro, o telefone de Petrúquio tocou. Foi dito a ele que seu pai havia embarcado no elevador da vida e ido fazer companhia para a Dercy Gonçalves junto com os anjos alternativos do mundo celestial. Seu pai, portanto, não voltaria para casa e não traria brioches para serem saboreados no café da manhã.

Petrúquio, assim, sentiu na pele o sofrimento pela perda de um ente querido, um dissabor que transcendeu, evidentemente, os constrangimentos normais do cotidiano. Logo, você já sabe: Petrúquio sofreu dano moral (art. 948, do Código Civil).

Ademais, não havia dúvidas de que a conduta do motorista foi quem causou, de forma direta ou adequada (art. 403, do Código Civil), o dano sofrido pelo Petruquinho.

Diante desta situação, o que ocorreu, no maravilhoso mundo do direito, foi que o motorista do automóvel praticou uma conduta culposa e causou danos morais a Petrúquio, nos termos do artigo 186, do Código Civil. Com isso, Petrúquio passou a ter um direito de indenização contra o motorista, conforme o disposto no artigo 927, do Código Civil.

A partir deste ponto, quero que você imagine dois Petrúquios: o Petrúquio Primeiro e o Petrúquio Segundo. Cada um dos Petrúquios viveu, a partir do acidente, uma história diferente. Eu sei e você tem razão: essa história de Petrúquio Primeiro e Segundo parece mais uma sucessão de monarcas ou de papas, mas foi o jeito mais simples que eu achei de explicar pra você o que eu vou tratar adiante. Então, vamos lá e não reclame dos meus Petrúquios.

O Petrúquio Primeiro possuía 20 anos de idade, na data do acidente de seu pai. Por não ser menor de dezesseis anos, Petrúquio não era absolutamente incapaz (art. 3, do Código Civil). Assim, não existia qualquer causa impeditiva ou suspensiva da prescrição da pretensão de indenização (ou seja, não havia qualquer fato que impedisse Petrúquio de exigir o direito de indenização imediatamente), nos termos do art. 197, 198 e 199, do Código Civil. Desta forma, desde a data da tragédia, Petrúquio Primeiro passou a poder exigir esse direito de indenização por danos morais, contra o motorista (art. 189, do Código Civil). E passou a poder exigir esse direito de indenização no prazo de três anos após a data do acidente (art. 206, § 3, V, do Código Civil). Portanto, Petrúquio Primeiro tinha o prazo de três anos, a contar da data do fato, para pleitear uma indenização pelos danos morais.

O Petrúquio Primeiro resolveu ajuizar sua ação judicial, com pedido de indenização no valor de X, somente dois anos e seis meses após o acidente. Nesta situação, em sentença, o juiz considerou que o valor de X, pleiteado por Petrúquio Primeiro, era razoável para compensar os danos morais, caso ele tivesse ajuizado a ação imediatamente. Todavia, observou o juiz que Petrúquio Primeiro demorou dois anos e meio para ajuizar a ação e, por conta disso, o juiz fixou a indenização em um valor inferior ao X postulado.

Isso está certo? O juiz poderia ter fixado a indenização em um valor inferior a X para o Petrúquio Primeiro, considerando ter este demorado no ajuizamento da ação, em que pleiteou os danos morais? Sim. O STJ reafirmou essa possibilidade no REsp 1.529.971-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 12/9/2017 (noticiado no Informativo 611). Neste julgamento, o STJ fez referência ao EREsp nº 526.299/PR, Relator o Ministro Hamilton Carvalhido, Corte Especial, julgado em 3/12/2008, DJe de 5/2/2009, que assentou que “a demora na busca da reparação do dano moral é fator influente na fixação do quantum indenizatório, a fazer obrigatória a consideração do tempo decorrido entre o fato danoso e a propositura da ação”.

Você sabe que “a regra é clara”. Porém, eu vou abrir aqui um parêntesis pequenininho, pra fazer com o STJ aquilo que o Galvão Bueno faz com o Arnaldo Cesar Coelho. É que me parece que aquele que ajuizou a ação rapidamente e aquele que ajuizou a ação posteriormente alegaram, ambos, um mesmo sofrimento, que ocorreu na data do fato. Logicamente, a dor que existiu logo após o fato e a dor que passou a existir depois de algum tempo não representam a mesma dor. Afinal, tudo passa, inclusive a uva passa, como dizem por aí. Mas, aquele que alegou que sofreu danos morais não postulou ao juiz uma indenização para compensar o que está sofrendo na data do seu pedido de indenização, mas sim para compensar uma dor que iniciou na data do fato. Logo, não me parece adequado reduzir o valor de indenização por danos morais, pelo simples motivo de se ter demorado no ajuizamento da ação judicial. Pronto, falei. Parêntesis fechado e não conte pra ninguém que eu discordei do STJ.

O Petrúquio Segundo (vamos esquecer agora do Petrúquio Primeiro), por sua vez, possuía 10 anos de idade, na data do acidente. Veja, então, que o Petrúquio Segundo era menor de dezesseis anos, ou seja, absolutamente incapaz (art. 3, do Código Civil). Assim, no caso do Petrúquio Segundo, existia uma causa impeditiva ou suspensiva da prescrição da pretensão de indenização (ou seja, havia um fato que suspendia o poder de exigir o direito de indenização), nos termos do art. 198, I, do Código Civil. Nesta situação, o prazo para exigir o direito à indenização não começou imediatamente após a data do acidente. Na verdade, somente a partir do momento em que tal Petrúquio completou dezesseis anos é que o prazo para exigir o direito de indenização começou a correr. Então, observe que, aqui, não vale a máxima do Cazuza, que disse que o tempo não pára, porque aqui o tempo parou para o Petruquinho Segundo. E até quando ele poderia exigir o direito de indenização? Até três anos após a data em que completou dezesseis anos (art. 206, § 3, V, do Código Civil). Portanto, o Petrúquio Segundo tinha o prazo de três anos, a contar da data do aniversário de dezesseis anos, para pleitear uma indenização pelos danos morais.

O Petrúquio Segundo resolveu ajuizar sua ação judicial, com pedido de indenização no valor de X, tão logo completou dezesseis anos. Entretanto, o juiz observou que Petrúquio tinha dez anos quando ocorreu o acidente e demorou seis anos para ajuizar a ação. Por conta disso, fixou a indenização em um valor inferior ao X postulado.

Isso está certo? Não. O STJ tratou do assunto no REsp 1.529.971-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 12/9/2017 (noticiado no Informativo 611). Neste precedente, o STJ reconheceu que a demora na busca da compensação por dano moral, quando justificada pela suspensão ou impedimento do lapso prescricional (leia-se: o período até o Petrúquio Segundo completar desesseis anos), não configura desídia apta a influenciar a fixação do valor indenizatório. Logo, no caso do Petrúquio Segundo, o valor da indenização não poderia ter sido reduzido, porque inexistiu qualquer demora.

Escrito por: Fernando Nonnenmacher
Fonte: Jusbrasil