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O ascendente pode, sim, vender ao descendente sem anuência dos demais. Ainda que diversos profissionais do Direito afirmem, na prática, ser obrigatória a anuência (autorização) dos demais descendentes do alienante, dita exigência não consta da legislação em vigor.

Na vigência do Código de 1916, a anuência era, de fato, obrigatória, pois seu artigo 1.132 exigia o consentimento dos demais. Àquele tempo, a venda de ascendente a descendente sem autorização dos outros era causa de nulidade, pois violava expressa disposição contida no artigo 1.132 da lei revogada e fazia incidir a cominação prevista no artigo 145, IV, da mesma lei. Naquela época, portanto, era realmente correto exigir a anuência dos demais descendentes para a celebração do ato.

O Código Civil de 2002, porém, diz, em seu artigo 496, que a compra e venda a descendentes é anulável se não houver consentimento dos demais, tendo a legislação, portanto, substituído uma hipótese de nulidade por uma hipótese de anulabilidade.

Se, então, o negócio passa a ser anulável quando não contar com o consentimento dos demais, será, a princípio e até segunda ordem, considerado válido e eficaz, somente deixando de produzir efeitos se, posteriormente, a parte interessada propuser em juízo sua anulação dentro do prazo decadencial (em regra, de dois anos) e se, após o devido processo legal, sobrevier sentença judicial definitiva que pronuncie sua anulação (art. 177 c/c art. 179).

Ou seja, a compra e venda a descendente, segundo o Código Civil atual, é, de imediato, válida e eficaz independente de consentimento dos demais e, a menos que outro descendente questione sua validade dentro do prazo decadencial e obtenha sentença de anulação, continuará sendo válida e eficaz para todo o sempre.

A intenção do novo legislador foi a de presumir a boa-fé das pessoas e preservar a validade da verdadeira compra e venda celebrada entre ascendente e descendente, tanto quanto seria válida a venda feita pelo ascendente a qualquer outra pessoa, parente ou não, reservando a possibilidade de anulação somente às hipóteses excepcionais em que a compra e venda fosse contaminada por algum dos defeitos do negócio jurídico e fosse, então, utilizada para lesar o ascendente alienante ou prejudicar a legítima dos outros herdeiros necessários, mediante, por exemplo, pagamento de preço inferior ao real valor do bem.

A possibilidade (e não obrigatoriedade) de anuência, por sua vez, apenas permite aos demais descendentes fiscalizar, de logo, no próprio ato, a adequação do negócio e antecipadamente pronunciarem-se sobre sua validade e eficácia, hipótese em que estarão, então, impedidos de posteriormente pleitearem sua anulação. A falta de consentimento dos demais, porém, não retira a validade e a eficácia do negócio nem impede que posteriormente sua anulação seja pleiteada.

Logo, desde 11 de janeiro de 2003, quando entrou em vigor o Código de 2002, não subsiste mais qualquer fundamento jurídico para que se exija o consentimento dos demais descendentes para a validade da compra e venda, estando incorreta toda e qualquer conduta que condiciona a celebração de negócios desta natureza à anuência de outro parente qualquer, inclusive por parte de diversos tabeliães que continuam se recusando a lavrar escrituras que tais nestas circunstâncias ou de registradores que continuam se recusando a registrar escrituras corretamente lavradas desta forma por falta de consentimento não obrigatório.

Na doação a descendente, por sua vez, também há relevante desentendimento acerca do tema anuência dos demais.

Segundo o artigo 549 do Código Civil de 2002, é nula a doação que exceder a parcela disponível do patrimônio do doador, ou seja, que invadir a parcela indisponível correspondente à legítima reservada a seus herdeiros necessários. Trata-se, portanto, de causa de nulidade.

Na prática jurídica, porém, advogados, tabeliães e registradores, em sua maioria, consideram que o ascendente só pode doar qualquer coisa a um descendente se os demais anuírem. Não raro, inclusive, chegam a considerar que, se os demais anuírem, a doação pode extrapolar a parcela disponível e atingir parte ou, até mesmo, toda a legítima. Todas estas premissas estão erradas.

A doação de bens que compõem a parcela disponível, independente de ser feita a descendente ou a qualquer outra pessoa, é irrelevante para os demais descendentes porque envolve bem de livre disposição, que pode ser doado a quem o ascendente bem entender, inclusive um de seus descendentes.

Se, portanto, o ascendente capaz pode doar seus bens a qualquer pessoa sem autorização de seus descendentes, pode inclusive doar sem autorização a um de seus próprios descendentes, tendo ele a prerrogativa, inclusive, de dispensar, no instrumento da doação ou em testamento, que o descendente donatário traga este bem à colação por ocasião da abertura de sua sucessão (artigos 2.005, caput, e 2.006 do Código Civil).

Se, porém, o ascendente pretender doar bem que compõe a parcela indisponível de seu patrimônio, não poderá fazê-lo a quem quer que seja, inclusive a um de seus descendentes, ainda que todos os outros manifestem “consentimento”. A doação de bem indisponível é nula, por expressa disposição legal, independente de quem seja o donatário, quer seja parente ou não, e independente de consentimento. Como se sabe, a ninguém é dado dispor da herança de pessoa viva (art. 426 do Código Civil), portanto ninguém pode emitir consentimento para que a legítima que lhe tocaria seja doada a outra pessoa, já que, enquanto o ascendente não vier a óbito e sua sucessão não se abrir, não é possível dispensar ou renunciar a direito hereditário algum.

Não existe, pois, a figura do consentimento dos descendentes na doação, pois, em se tratando de bem disponível, a doação é livre a qualquer pessoa e, em se tratando de bem indisponível, a doação é nula a qualquer pessoa. Não existe a possibilidade de descendente vetar a doação de bem disponível de seu ascendente, tampouco de convalidar a doação de bem indisponível. Desta forma, não procedem as exigências de participação de outros descendentes em qualquer doação, seja de bem disponível, seja de bem componente da legítima, independente de quem seja o donatário, descendente ou não.

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