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A prescrição extintiva, prescrição propriamente dita, conduz à perda do direito de ação por seu titular negligente, ao fim de certo lapso de tempo. A prescrição aquisitiva, por sua vez, faz com que um determinado direito seja adquirido pela inércia e pelo lapso temporal, sendo também chamada de usucapião. Ambas têm em comum os elementos tempo e inércia do titular, mas enquanto na primeira eles dão lugar à extinção do direito, na segunda produzem a sua aquisição. 

A legislação não estabeleceu qualquer distinção em relação à espécie de prescrição. Contudo, tal diferenciação é imprescindível sob pena de ocasionar insegurança jurídica, além de violação aos princípios do contraditório e ampla defesa, pois, no processo de usucapião, o direito de defesa assegurado ao confinante é impostergável, eis que lhe propicia oportunidade de questionar os limites oferecidos ao imóvel usucapiendo.

A Usucapião e a prescrição constituem institutos díspares, sendo inadequada a aplicação da disciplina de um deles frente ao outro, vez que a expressão prescrição aquisitiva tem vínculos mais íntimos a fundamentos fáticos/históricos do que a contornos meramente temporais.

Em sede REsp, sob nº 1693732 a relatora do recurso no STJ, ministra Nancy Andrighi, explicou que o Código Civil prevê duas espécies distintas de prescrição: a extintiva, relacionada ao escoamento do prazo para pedir em juízo a reparação de um direito violado (artigos 189 a 206), e a aquisitiva, relacionada à forma de aquisição da propriedade pela usucapião.

Com base em ensinamentos doutrinários, a ministra ressaltou que o impedimento ao cômputo da prescrição entre cônjuges – previsto no artigo 197, inciso I, do CC –, embora situado no capítulo das prescrições extintivas, também se aplica à prescrição aquisitiva, ou seja, à usucapião.

Segundo ela, esse impedimento – “constância da sociedade conjugal” – cessa pela separação judicial ou pelo divórcio, como estabelecido nos incisos III e IV do artigo 1.571 do CC. No entanto, a relatora ressaltou que, recentemente, a Terceira Turma reconheceu a possibilidade de se admitir a fluência da prescrição entre cônjuges a partir da separação de fato.

De acordo com o art. 197 do CC, não corre o prazo de prescrição entre cônjuges, durante a sociedade conjugal, e entre ascendentes e descendentes, enquanto perdurar o poder familiar. No caso dos cônjuges, já uma exceção, que é a usucapião prevista no art. 1.240-A do CC, fundado no abandono do lar. Nesta concepção, de acordo com o art. 1.244 do CC, a título de exemplo, o cônjuge não pode usucapir bem da esposa e o pai não pode pretender o reconhecimento da usucapião em relação ao filho incapaz. 

Portanto, embora a usucapião não se confunda com a prescrição, as causas suspensivas e interruptivas da prescrição extintiva a ela se aplicam, como elemento pessoal, para inabilitar determinado sujeito a somar o tempo de posse para a aquisição da propriedade, enquanto pendente a causa impeditiva, suspensiva ou interruptiva.

Tanto a separação judicial (negócio jurídico), como a separação de fato (fato jurídico), comprovadas por prazo razoável, produzem o efeito de pôr termo aos deveres de coabitação, de fidelidade recíproca e ao regime matrimonial de bens (elementos objetivos), e revelam a vontade de dar por encerrada a sociedade conjugal (elemento subjetivo). Não subsistindo a finalidade de preservação da entidade familiar e do respectivo patrimônio comum, não há óbice em considerar passível de término a sociedade de fato e a sociedade conjugal. Por conseguinte, não há empecilho à fluência da prescrição.

A art. 197, I, CC/2002, está assentada em razões de ordem moral, buscando-se com ela a preservação da confiança, do afeto, da harmonia e da estabilidade do vínculo conjugal, que seriam irremediavelmente abalados na hipótese de ajuizamento de ações judiciais de um cônjuge em face do outro ainda na constância da sociedade conjugal. 

Tal dispositivo visa a pacificação social, a preservação da tranquilidade doméstica e, principalmente, a tutela do núcleo familiar, pois, segundo o art. 226 da CF/1988, a família é a base da sociedade, merecendo especial tutela e proteção do Estado. Como forma de tutelar a família, o Código Civil proíbe o decurso de prazo prescricional durante o casamento ou a união estável. Basta a separação de fato ou judicial, para o prazo voltar a correr. 

O artigo exige constância da sociedade conjugal, o que significa convivência, companheirismo, vida em comum. Na separação de fato não haverá constância ou continuidade, sendo suficiente para o transcurso do prazo relativo à violação de direitos subjetivos durante o casamento ou a união estável. 

Assim sendo,  a separação de fato por longo período, como bem destaca o mencionado precedente, produz exatamente o mesmo efeito das formas textualmente previstas no CC/2002 para o término da sociedade conjugal, não correndo a partir deste o prazo prescricional aquisitivo, sendo por conseguinte, passível o imóvel de usucapião.

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Autor: Prof. Elyselton Farias do Portal Carreira do Advogado