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Quando se trata das concessionárias de energia elétrica, que atuam como prestadoras de serviço público sob delegação do Estado, é aplicada a responsabilidade civil objetiva, em conformidade com o Código de Defesa do Consumidor. Isso significa que não é necessário comprovar culpa, basta comprovar a conduta prejudicial e o nexo causal (relação entre a ação ou omissão e o resultado). Qualquer ato ilícito praticado contra o usuário do serviço público deve ser reparado.

As concessionárias são empresas responsáveis pela distribuição, administração e operação das linhas de transmissão de energia elétrica em todo o país. A fiscalização e regulamentação dessas atividades são de competência da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), vinculada ao Ministério de Minas e Energia. O Estado é responsável por fiscalizar, enquanto as concessionárias são responsáveis por fornecer o serviço público.

É fundamental que todo serviço público seja adequado, de qualidade e contínuo. Essa continuidade é respaldada pelo Código de Defesa do Consumidor e pela Constituição Federal, que estabelecem a proteção dos direitos dos consumidores. O fornecimento de energia elétrica é considerado um serviço essencial para garantir a subsistência mínima.

É comum que as concessionárias realizem inspeções nas residências ou estabelecimentos, conhecidos como Unidades Consumidoras, para verificar se o consumo está sendo registrado corretamente e se os medidores de energia estão funcionando adequadamente. É importante ressaltar que o desvio de energia, conhecido como “gato”, é proibido por lei.

No entanto, essas inspeções devem seguir critérios estabelecidos na Resolução da ANEEL, que permitem a interpretação adequada das normas jurídicas e a aplicação do Código de Defesa do Consumidor pelo Poder Judiciário. As faturas de recuperação de consumo são emitidas pela empresa de energia elétrica com o objetivo de recuperar valores não registrados ou registrados abaixo do consumo real, seja por problemas no medidor ou por desvio de energia. O cálculo dessas faturas geralmente é baseado na média de consumo dos três maiores períodos anteriores.

Essas faturas são recebidas com surpresa pelos consumidores, já que podem resultar em valores acumulados de dois, cinco, dez mil reais ou mais, com informações mínimas e deixando o consumidor sujeito a um ato administrativo. Esse tipo de procedimento deve ser respaldado por uma perícia imparcial.

Portanto, não basta apenas a perícia realizada pelos técnicos da própria concessionária. Qualquer irregularidade no medidor de energia da Unidade Consumidora deve ser comprovada por uma perícia realizada por um órgão oficial certificado, como o INMETRO ou o IPEM, conforme decisões judiciais.

Sem a comprovação por uma perícia oficial, o débito se torna questionável e o procedimento se torna inválido, uma vez que apenas a inspeção da concessionária caracteriza uma prova unilateral e parcial. Inclusive, a unilateralidade na apuração da dívida (sem laudo oficial) já foi questionada e pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça.

Dessa forma, de acordo com o entendimento do STJ, débitos pretéritos (usados como base para o cálculo da recuperação de consumo) não podem ser motivo para o corte de energia em caso de inadimplência, já que a irregularidade foi apontada de forma unilateral pela própria concessionária, e também pela ausência de aviso prévio ao consumidor durante a inspeção realizada pelos funcionários da empresa.

As concessionárias muitas vezes dificultam a defesa por parte do consumidor, fornecendo informações insuficientes ou ausentes, o que pode levar o cidadão a realizar pagamentos exorbitantes devido ao medo de ter o fornecimento de energia cortado em sua residência, sem conhecimento da origem dos débitos cobrados, inclusive com aviso de corte.

Essas faturas são conhecidas como “extraordinárias”, pois diferem das faturas “ordinárias” que registram o consumo mensal. As faturas extraordinárias são caracterizadas pela cobrança de períodos anteriores que não foram faturados corretamente.

No entanto, as faturas extraordinárias não podem justificar o corte no fornecimento de energia elétrica, devido à questionável avaliação realizada unilateralmente pela concessionária. Portanto, o corte de energia decorrente especificamente desse tipo de fatura é ilegal, e pode levar à configuração de indenização por danos morais, dependendo do caso concreto.

Os tribunais brasileiros seguem a mesma linha de entendimento:

Em relação à prestação de serviço público, como o fornecimento de energia elétrica, a interrupção só pode ocorrer quando a inadimplência se refere ao consumo atual. Após o pagamento da conta referente aos três meses anteriores ao consumo atual, o serviço deve ser imediatamente restabelecido. Não é legítimo que a concessionária interrompa o fornecimento de energia elétrica devido a dívidas pretéritas, sob a justificativa de recuperação de consumo, pois existem outros meios legítimos de cobrar dívidas antigas não pagas. Portanto, os tribunais têm reconhecido a ilegalidade dessa prática.

Em casos de constatação de medição incorreta de energia elétrica, é necessário realizar uma perícia por meio de um órgão oficial de metrologia, como o IPEM ou o INMETRO, seguindo os demais requisitos estabelecidos pela agência reguladora competente. Caso contrário, o débito resultante é considerado inexistente.

Fica claro que a constatação feita pelos funcionários da concessionária, de forma unilateral, não pode ser considerada como uma verdade absoluta, uma vez que foi realizada de forma unilateral.

Em resumo, podemos destacar três pontos:

i) Todo procedimento de inspeção no medidor de energia elétrica deve ser previamente comunicado ao consumidor, permitindo seu acompanhamento.

ii) Para a cobrança de recuperação de consumo identificada pela concessionária, o medidor de energia deve ser submetido a uma perícia realizada por um órgão técnico oficial, garantindo imparcialidade na apuração e permitindo o acompanhamento do consumidor durante a perícia.

iii) A inadimplência decorrente exclusivamente de recuperação de consumo não é justificativa legítima para que a concessionária efetue o corte de energia, desde que o consumidor esteja em dia com as demais faturas de consumo ordinário.

Se o corte de energia ocorrer devido a esses débitos e/ou resultar em inscrição nos órgãos de proteção ao crédito, é possível caracterizar um dano presumido, que pode levar à sua anulação, dependendo da forma como foi realizado. Portanto, de acordo com a jurisprudência, a resposta à pergunta é sim.

Por fim, é importante destacar que em casos em que o débito resultante de uma perícia oficial for realmente devido, sua revisão dependerá de fatores técnicos. O questionamento se refere apenas ao procedimento de corte e sua conformidade com a legislação e a interpretação do caso concreto.

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