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O Diploma Legal define que para haver punição de um crime, faz-se mister a culpabilidade, porém, nem sempre a culpabilidade está presente.

Dando continuidade à postagem anterior, seguir-se-ão as excepcionalidades da lei penal. A doutrina diverge ferrenhamente quanto ao post. O tema basilar é a culpabilidade. Em breve síntese, para os que adotam a teoria bipartida, como Damásio de Jesus e Fernando Capez, o crime acontece sem ela, o que não ocorre é a punição; para os que adotam a teoria tripartida, a exemplo de Rogério Greco e Nélson Hungria, o delito simplesmente não sucederá na ausência da culpabilidade. Em suma, a culpabilidade se divide em três elementos, que devem estar sempre aglutinados; na ausência de um destes, exclui-se o todo. São elementos:1 – Imputabilidade: é dada ao que tem a plena capacidade de querer e entender.

2 – Potencial consciência da ilicitude: se trata da possibilidade do agente prever de acordo com suas crenças, seus costumes e o meio social onde vive que o que faz é certo ou errado. O que exclui a potencial consciência da ilicitude é o erro de proibição escusável (inevitável).

3 – Exigibilidade de conduta diversa: compreende-se a expectativa social de uma conduta diferente daquela que foi adotada pelo agente. De todas as pessoas em que se é exigível outra conduta, existe culpabilidade.

13 hipteses em que se pode matar e no ser punido - Parte 2

John Travolta e Samuel L. Jackson em Pulp Fiction, não se enquadraram em nenhuma das hipóteses durante o filme.

VII – Doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado:

Iniciando as hipóteses, o art. 26 discorre sobre situações em que a imputabilidade é retirada:

Art. 26 – É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Doença mental – As pessoas com enfermidade intelectual, como os portadores de esquizofrenia ou paranoia, que não tem capacidade de compreender o caráter ilícito de suas ações é inimputável. O critério utilizado pelo Código Penal é o biopsicológico, biológico no sentido da existência real de doença mental e psicológico no tocante à capacidade de entendimento dos atos praticados. Esse critério também é usado para o desenvolvimento mental incompleto e retardado. Qualquer crime cometido por um deficiente intelectual, onde a doença suprimiu a vontade de suas ações, deve resultar em absolvição, nos termos do art. 386, VI, do Código de Processo Penal:

Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:

VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena, ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência.

Destarte, como não haverá imputabilidade penal, após a absolvição, o agente receberá uma medida de segurança (internamento em hospital de custódia ou tratamento ambulatorial). Dever-se-á notar que o escopo não é castigar ou fazer sofrer o deficiente intelectual, mas ajudá-lo, uma vez que apresenta-se mentalmente afligido. É a busca pela recuperação; a medida de segurança não tem caráter punitivo e sim terapêutico. A inimputabilidade por doença mental se daria numa situação, por exemplo, de uma pessoa esquizofrênica que, ao aguardar o metrô, sofre uma crise de alucinações e corre empurrando as pessoas que estão pela frente, acabando por derrubar uma que cai nos trilhos e vem a falecer. Os atos involuntários, sem autonomia de vontade não poderão ser punidos.

Entretanto, a enfermidade intelectual dependerá de ratificação por meio de exame pericial para poder aferir se, verdadeiramente, a condição existe. O laudo da perícia serve como auxílio para a decisão do juiz, mas nada obsta o magistrado de discordar e tomar uma decisão não recomendada pelo perito.

Desenvolvimento mental retardado – Em síntese, são aqueles que tem a idade cronológica incompatível com a capacidade psicológica, também chamados de oligofrênicos. É de valorosa importância perceber que essa presunção não é absoluta, pois, a depender do grau da redução do desenvolvimento mental estes podem ser inimputáveis ou não.

O processo se dará da mesma forma que ocorre com o doente mental, haverá perícia e se o juiz concluir que realmente existem as condições, será afastada a imputabilidade. É o caso da pessoa portadora da supracitada deficiência que, por estar há algum tempo sem tomar sua medicação, ouve batidas na porta de alguém que visita sua família, sofre um ataque de delírios por conta de sua debilidade mental, imagina uma situação ameaçadora, pega uma faca de cozinha e mata o visitante. Não há culpabilidade, logo, a medida de segurança será aplicada. Não se pode olvidar que a capacidade de querer e entender deve ser obliterada para que se configure a inimputabilidade, do contrário haverá punição.

Para ser mais claro e evitar qualquer má interpretação, repiso que a doença mental, desenvolvimento mental incompleto ou retardado não são licenças para praticar delitos”. Às vezes, mesmo por breves momentos, o deficiente tem condições de ter consciência do que faz. Somente haverá sustação da imputabilidade se no decorrer do processo concluir-se que, de fato, em razão da deficiência intelectual o agente teve sua capacidade de compreender nulificada durante o momento dos atos delituosos. O Direito Penal entende que, nessas circunstâncias, não se deve punir uma vez que apenas pioraria a situação do agente.

Menores de 18 anos – Apesar de parte da sociedade discordar, o menor de 18 anos não comete infração penal por ausência de imputabilidade, não importa qual seja o delito. O Código Penal define assim desde 1940, diz em seu art. 27:

Art. 27 – Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.

Em tom uníssono, estabelece a Constituição Federal:

Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.

O critério utilizado é o biológico, este define a imputabilidade de acordo com a idade. Importando apenas se o agente é menor no momento da prática delitiva, pouco interessa se este tem ou não consciência do que faz. Quando o artigo menciona que o menor de 18 anos não comete ilícito penal, está se referindo aos atos infracionais, pois, assim são chamados os atos delituosos praticados por menores. Já as normas de legislação especial que a Constituição e o Diploma legal aludem são as determinações do Estatuto da Criança e do Adolescente e suas medidas socioeducativas. Percebe-se que, se um menor, a um dia do seu aniversário de 18 anos matar alguém, não cometerá delito nenhum. Nesse diapasão, ainda que a vítima seja socorrida e venha a falecer apenas no dia seguinte; não poderia haver ilícito penal, uma vez que o tempo do crime é o do momento dos atos executórios.

VIII – Silvícolas: Este é o índio “do mato”, aquele que não tem contato com a sociedade; o Código Penal o trata como inimputável, assim, não comete crime por não ter imputabilidade em seus atos. A lei penal brasileira mantém esse entendimento desde o século XIX. O Estatuto do Índio define os silvícolas:

Art. 3º, I – Índio ou Silvícola – É todo indivíduo de origem e ascendência pré-colombiana que se identifica e é identificado como pertencente a um grupo étnico cujas características culturais o distinguem da sociedade nacional.

Se por ventura um índio não integrado à sociedade, de uma tribo canibal que viva em locais longínquos como nos confins da Amazônia, se depara com um grupo de pesquisadores e, após o encontro, os mata e se alimenta deles; ainda que seja cruel não terá cometido ilícito penal. Da mesma maneira, se um desses índios se perder, aparecer em uma cidade e acabar por matar alguém; não poderá ser penalmente punido por homicídio, em razão da abstinência de identidade social, a falta desta identidade é considerada pela lei penal como desenvolvimento mental incompleto, no citado anteriormente art. 26 do Código Penal.

Até hoje essas tribos primitivas existem, porém, hodiernamente também há uma grande quantidade de índios civilizados. É natural que se o silvícola tiver identidade social e capacidade de percepção, não poderá ser inimputável.

Em contrapartida, se a situação se inverte e uma pessoa comum matar um índio, a pena será acrescida de um terço, estabelece o art. 59 do Estatuto do Índio:

Art. 59. No caso de crime contra a pessoa, o patrimônio ou os costumes, em que o ofendido seja índio não integrado ou comunidade indígena, a pena será agravada de um terço.

IX – Erro de proibição: deve-se ter cautela para falar deste instituto, se trata de um tipo de erro em que o agente comete sobre a ilicitude do fato, é atrelado à ausência de potencial consciência da ilicitude. Apesar do desconhecimento da lei ser inescusável, como diz a LINDB e o próprio Código Penal, isso não se confunde com o erro de proibição. Nessa situação, o agente pratica uma conduta que de acordo com sua cultura, costumes e crenças nada tem de ilícito. À medida que o agente não tem conhecimento que está a cometer uma infração penal, também não possui possibilidade razoável de saber. Não é algo fácil de se configurar, mas é possível. O erro de proibição não é uma exclusividade da lei penal brasileira, também existe na grande maioria dos países da Europa e da América Latina. Está exposto no art. 21 do Código Penal:

Art. 21 – O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena […]

Nesse sentido, preconiza a LINDB:

Art. 3º – Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.

No Líbano, há uma lei permissiva que permite ao homem matar a esposa, se esta for flagrada cometendo adultério (essa norma só vale para o homem). Imaginemos o libanês, que viveu toda a sua vida em seu país e vê como normal, de acordo com sua cultura, costumes e crenças matar a esposa que é encontrada no ato de traição, uma vez que no Líbano isso ocorre de forma corriqueira. Este homem vem ao Brasil com sua esposa e, ao descer do avião, percebe que esta continua no interior da aeronave. Ele sobe a bordo novamente e a vê consumando atos sexuais com o piloto, naquele mesmo momento ele a estrangula e mata.

Os grandes mestres discorrem de forma categórica:

“Por erro inevitável, realiza uma conduta proibida, ou por desconhecer a norma proibitiva, ou por conhecê-la mal, ou por não compreender o seu verdadeiro âmbito de incidência.” Assis Toledo

“Diz-se invencível o erro quando não podia ser evitado com a atenção, ponderação, perspicácia ou diligência ordinária, própria do comum dos homens […] apreciado na sua conduta habitual. Tem-se de figurar a situação de fato ou o conjunto das circunstâncias objetivas em que ocorreu o erro e indagar como teria procedido o homem de tipo comum ou normal, se não se depara desconformidade alguma, o erro deve ser considerado invencível (impediente de qualquer culpabilidade).” Nélson Hungria

Aqui teremos alguns pontos a discorrer acerca do exemplo do libanês. O agente conhece a lei, até porque o desconhecimento é inescusável, mas conhece o caráter ilícito do fato, o seu alcance e conteúdo? Ora, todos sabem que matar alguém é crime. Mas e as exceções da lei?

O libanês sabe que matar é delito, tem escorreita noção da realidade e acredita que sua conduta é lícita. O que não sabe e nem teve condições de saber, já que havia chegado ao Brasil naquele momento, é que essa exceção que ocorre de forma trivial em seu país, não é aceita no Brasil. É de clareza solar que essa hipótese não poderia ser possível se o libanês cornelius chifrudus tivesse condições de estar ciente. Por exemplo, se já estivesse no Brasil há algumas semanas, jamais poderia alegar erro de proibição para acachapar-se da punição devida.

Guilherme de Souza Nucci dá o exemplo de um soldado que mata outro sem saber que a guerra havia acabado há poucos minutos. Seria homicídio, simplesmente uma pessoa matou outra, não havia mais guerra, tampouco razões para matar. Porém, o erro era inevitável. O soldado, naquelas circunstâncias, não tinha como saber que a guerra havia terminado, pois, não recebeu a informação.

Em outros crimes o erro de proibição é mais simples de se configurar, mas também há possibilidade de se excluir a culpabilidade no delito de homicídio, como no exemplo retromencionado. Antigamente era mais razoável, pois, o acesso à informação era privilégio de poucos, hodiernamente, na era da internet, é difícil suceder. No próximo post falarei sobre as últimas 4 hipóteses, que são um pouco mais controversas.

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Escrito por: João Antonio Rocha

Fonte: Jusbrasil